Francisco nasceu em São Paulo, no bairro de Santa Efigênia, no dia 21 de maio de 1878, filho de João Hilário da Silva e Januária Maria de Tolledo. Alice, sua conterrânea, nasceu no bairro da Consolação a 10 de setembro de 1883, filha de John William Pheeney e Elizabeth Ursprung.
Quando o pai esteve na Europa, para que Alice tivesse educação latina, foi matriculada no Colégio das Dominicanas em Sèvres, perto de Paris e ali ficou durante 12 anos. Em 1906 já estava de volta, posto que neste ano perdeu a mãe em São Paulo.
Foi atraída, segundo dizia, pela impecável forma com que ele Francisco se vestia. Isto é perfeitamente justificável numa época em que o contacto as "pessoas de bem", de sexos opostos era reprimido com severidade. Nessa ocasião Francisco Leôncio residia na rua Vista Alegre com os irmãos. Nesses anos tomavam suas refeições na pensão de Leontina, futura cunhada do titular. Francisco e Alice casaram-se na igreja da Consolação no dia 9 de fevereiro de 1907, no mesmo dia em que o pai da noiva se casava pela segunda vez. Ela passou a assinar Alice Pheeney de Camargo e Silva. Francisco era uma pessoa difícil. Não admitia que Alice beijasse o pai ou mesmo que o visitasse com frequência. Muitos anos depois chegou a expulsá-la da cama com um empurrão dado com os pés dizendo que porco dormia no duro, por ela ter liberado gases na cama do casal.
A tudo Alice atendia sem reclamos, o que talvez tenha ajudado a torná-la agressiva e autoritária no fim da vida.
Inicialmente moraram na Rua Augusta, em casa adquirida por cinco contos de réis. Posteriormente venderam a propriedade por doze contos. Contam seus filhos que o pai vendeu a casa por essa ninharia para cobrir o valor de um aval que assinara para um conhecido.
Na década de 1910 aconteceu um episódio que merece notícia. Francisco ficou doente e para atendê-lo seus irmãos chamaram três médicos. Todos diagnosticaram tísica (tuberculose), então motivo de vergonha para qualquer família decente. Ouvido o resultado, o paciente enfureceu-se: "Não sou tísico -- dizia --, mas vocês todos irão morrer assim". Coincidência ou não, pouco depois dois deles morrem tuberculosos. O supérstite ressurgiu aterrorizado em sua casa, pedindo que Francisco o perdoasse. Mas Chico não quis fazê-lo e o terceiro também morreu tísico.
Em 1917 residia no bairro do Canindé, na rua da Cantareira (atual Av. Cruzeiro do Sul), onde perdeu sua filha Maria (Mariquinha). No ano de 1918, quando grassou a gripe espanhola, residiam na rua Conselheiro Brotero nº 186. Eram vizinhos de uma família de pretos. Alice cuidou de todos os membros da família, acometidos pela doença. Como a maioria deles morreu, enquanto os famíliares de Alice nada sofreram, passou a correr boato de que ela era feiticeira. Desgostosa, certo dia ela escreveu um bilhete ao marido e mandou entregá-lo na ferrovia. Nele dizia que queria se mudar imediatamente. Na mesma tarde Francisco alugou um caminhão e foram para a rua Paraguaçú. Em 1920 estava nessa rua, em chácara que ia até a biquinha hoje defronte o estádio do Pacaembú. Essa chácara foi pedida pelos irmãos José e Joaquim, que dissiparam a herança paterna e não ficaram com um lugar para morar.
Pressionado por eles, Francisco cedeu e num misto de raiva e orgulho disse não precisar dela. Alice jamais perdoou os cunhados por isso. De lá, foram para a rua Helvécia e daí para a rua dos Guaianases, onde nasceu o caçula. Estavam nessa casa quando também estourou a revolução de 1924.
Francisco ia trabalhar beirando as paredes, para fugir às balas que cruzavam as ruas próximas à Estação da Luz. Nessa época Alice trabalhava dando aulas no prédio do Palácio do Governo, nos Campos Elísios.
Mudaram-se, depois, para a rua Barão de Paranapiacaba (esquina da rua Helvécia) e dessa para a rua das Palmeiras; depois para a rua Duílio, onde estava em 1929. Por fim, fixou-se na rua Coriolano , na Lapa.
Francisco foi por mais de trinta anos conferente de carga da "São Paulo Railways". Neste período, metódico e pontual como um inglês, ia diariamente a pé de casa ao emprego, quaisquer que fossem as condições do tempo. E apesar disto jamais faltou ao serviço ou sequer atrasou-se um dia apenas.
Alice também colaborava na renda familiar, utilizando os conhecimentos de inglês, francês e alemão que adquirira com o pai, a escola de Sèvres e a mãe, respectivamente, para ministrar aulas particulares. Foi seu aluno, entre outros, o locutor Geraldo José de Almeida, que se notabilizou na Copa-70 e nas transmissões esportivas em geral por suas expressões coloridas.
Chico pouco saía com a família. Vez por outra ia a pé dar uma volta pela cidade. Seu passeio predileto era ir ao Cemitério de Consolação.
Quando recebia algum dinheiro extra alugava um carro de praça de luxo (por 15 mil réis) e ia com a família visitar os parentes.
Segundo contam seus filhos, o temperamento introspectivo de Francisco causava certa desarmonia no seio familiar. Assim, vez por outra a temperatura da casa subia rapidamente e de forma explosiva.
Sem muito o que fazer em casa, Chico às vezes bebia demais. Quando a bebida o fazia alegre, costumava cantar a marcha carnavalesca de Juca Storoni que ridicularizava os bajuladores do poderoso senador gaúcho Pinheiro Machado (Iá, iá, me deixa subir esta ladeira. Eu sou do bloco, mas não pego na chaleira"). Era por vezes divertido. Na década de 30 era "chic" ter casa na Rua XV de Novembro, centro da cidade de São Paulo. Chico dizia aos amigos ter uma propriedade na Rua 15. Diante da estupefação dos interlocutores, completava: "Sepultura 7". Referia-se ao jazigo da família, no Cemitério da Consolação. Francisco criava um cão pastor alemão chamado Gaúcho. Às vezes convidava o filho Pedro para levarem o cachorro ao rio Tietê, onde o animal gostava de nadar. Esse bicho tinha tanto afeição ao dono que, quando Chico faleceu, o animal não mais aceitou alimento e morreu de inanição três ou quatro dias depois do dono.
Aposentado, Francisco levantava um muro numa das faces do terreno em fins de 1933. Um calor insuportável. Ele suava por todos os poros. Em determinado momento Alice chamou a todos para o almoço, uma feijoada. Finda a refeição, como o calor não baixasse, Francisco subiu a seu quarto e preparou uma bacia de água fria. Passando por lá, a madrasta de Alice viu e desceu horrorizada, exclamando insistentemente com carregado sotaque alemão: "Chico, nunca vi loucura igual". De fato, o choque térmico prostrou-o. Quando o casal foi deitar, Francisco estava com febre. Rejeitou remédio da mulher. Pela manhã ele tremia. Alice alarmada foi buscar um vidrinho de um remédio chamado "Acólitos" e o achou vazio. O marido havia tomado todo e a reação foi violentíssima. Mas, teimoso, ele não permitiu que ela chamasse um médico.
Alice mandou recado para que o filho João viesse imediatamente para casa. Este convenceu o pai a receber um doutor. O Dr. Kulai, após examinar o doente, chamou o padre João à parte e lhe disse que cuidasse da alma da pai, pois daquela noite ele não passaria. De fato, Francisco morreu horas depois. Era 6 de dezembro de 1933.
Morto o esposo, Alice mudou-se em 1949 para a rua Cláudio Rossi (em casa adquirida pelo filho padre), no Jardim da Glória. Ela sentia muito orgulho do filho padre. Certa feita bateram à sua porta e a nora Maria Izabel foi atender. De lá gritou para dona Alice que um bombeiro queria falar com ela. Muito excitada ela veio: "Pode deixar, deve ser recado do João". Chegando à porta, não achou o militar e inquiriu a nora. Essa apontou para um encanador (chamado de bombeiro em Campos), para decepção da dona da casa.
Alice faleceu a 9 de junho de 1952, sendo sepultada ao lado do marido, em jazigo da família deste, no Cemitério da Consolação.