10. Alberto Antônio Teixeira Dutra
Alberto Antônio Teixeira nasceu em Itaocara (RJ) no dia 4 de agosto de 1887, filho do cel. José Antônio Teixeira e Etelvina da Silva Pena.
Alberto assistiu com três anos de idade à separação de seus pais, quando sua mãe foi residir em outro local e pouco mais tarde faleceu. Talvez procurando compensação pela falta da figura materna apegou-se à madrasta Leopoldina de quem ele gostava a ponto de, anos depois, dar seu primogênito para que ela o batizasse. Ele se lembrava que Leopoldina costumava fazer o prato de comida dele para ele ir almoçar na estação ferroviária (que fica próxima da casa) onde seu pai trabalhava. Suas cartas ao pai e à madastra bem mostravam o respeito e amor que lhes dedicava.
Pelo afastamento de Alberto da mãe, ele pouco sabia de seus parentes maternos. Exemplo disso era sua crença de que o avô materno era um português de nome Manuel Dutra e que sua avó materna foi uma índia capturada por Manuel e batizada com o nome de Nísia. História sem qualquer fundamento, como relatamos adiante.
Apesar de seu pai ser próspero negociante, Alberto Antônio foi trabalhar em Cordeiro, cidade próxima a sua terra, com apenas quatorze anos de idade. Não se adaptando, arrumou emprego na casa comercial Oliveira, Vaz & Cia., no Rio de Janeiro. Na mesma cidade, tempos depois, no estabelecimento do Sr. Costa Sol de quem se conservou fiel amigo mesmo após deixar o emprego.
Com cerca de vinte anos foi para Campos a 29 de abril de 1908, parece-nos que contra o desejo do pai, pois em carta de agosto de 1917 declara-se sentir exilado desde 1908. Lá se ocupou do laboratório químico da Societé Brasiliense Sucrerie "Usina Cupim". Nessa época, por amizade ao telegrafista da "The Leopoldina Railways", ficava, às vezes, no posto para que seu amigo fosse namorar.
Alberto sempre aliou seu caráter forte, impoluto e reto a um espírito empreendedor e dedicado. Conquanto não tivesse mais que o curso primário -- sempre dizia que estudara apenas até o quarto livro de Felisberto de Carvalho, eminente educador da época --, foi autodidata e, por isso, muito pôde construir. Chegou mesmo a orientar advogados em várias causas. Dotado de raro pendor para o desenho, arquitetou diversas pontes e pontilhões que ainda hoje existem, tais como a ponte sobre o rio Pomba, em Baltazar, na fronteira entre os Estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, outra em Dores do Macabu e uma terceira em Ururaí, etc.
Em 1920, ainda solteiro, adquiriu um engenho de álcool e vinte hectares de terras. Também teve, nesses anos, pedreira em Niterói. Fornecia cana para usinas, dormentes para a Leopoldina e pedras para construções.
Em Campos, foi convidado por uma conhecida, de apelido "Moreninha", a visitar a fazenda Lagamar, de Florentino Pereira de Souza. Essa fazenda era um modelo de propriedade bem cuidada em Campos, daí o convite. Chegando à fazenda foi recebido pelo dono com as honras de que os campistas tanto sabem recepcionar seus visitantes. Introduzido na sala, estava conversando com Florentino enquanto as filhas deste, que estudavam em outra sala com professora particular, procuravam "bispar" quem havia chegado. Só Maria foi admitida na sala, e apenas para servir café. Instada pelas irmãs para falar do moço bonito que conversava com seu pai, Maria nada soube responder. Disse não ter observado como era o tal moço.
Maria, nascida em Santo Amaro, distrito de Campos, filha de Florentino Pereira de Souza e Úrsula Maria das Virgens, veio ao mundo no dia 25 de setembro de 1895. Essa data era, até há poucos anos atrás, tomada erroneamente como setembro de 1897. A confusão se explica da seguinte forma: indo a Vitória (ES), a negócios, Florentino encarregou um sócio, cujo nome desconhecemos, de registrar no Cartório o nascimento da filha. Por esquecimento deste e excessiva confiança de Florentino no amigo, o registro não foi realizado e o caso esquecido até que em 1897 foi descoberta a inexistência daquele ato e corrigida a deficiência. Daí em diante a data de registro foi tomada como a de nascimento.
Ela, para que os criados não a chamassem pelo nome, liberdade inadmissível naquela época em Campos, recebeu o apelido de "Branca".
Desde moça, Maria vivia retirada em oração. Com isso se preocupava o pai, que dizia: "Minha filha, eu gosto que você reze. Também minha mãe era dada às orações. Mas, você precisa se distrair". Apesar das admoestações dele, a única festa de que Maria realmente gostava era a de Santo Amaro, quando havia cavalhada. Além de rezar, Maria era também muito dada à leitura de bons livros e ao manuseio de seus dicionários dos idiomas de Descartes e de Camões. Com isso adquiriu um bom vocabulário de francês e português. Gostava, também, de música e poesia.
Nos anos 1906, Maria e as irmãs tinham por professor o português Sr. Morgado. Branca era travessa, mas como sempre obedecia ao mestre, mesmo quando esse errava, era sempre considerada inocente "a priori". Ele dizia "Dona Marica não foi. Foram esses capetas ...". Maria repetia "Portugale", "Brasile" etc, arremedando o mestre, mas esse não percebia a caçoada. Quando mataram D. Manuel, de Portugal, o Sr. Morgado ficou muito sentido. As meninas simularam consternação, mas riam do sentimento do preceptor.
Depois, cerca de 1908, elas eram acompanhadas por Benedita de Moraes. Foi ela quem foi beber água e viu Dutra conversando com Flor Pereira. Comentou com Antonia, que logo se interessou por vê-lo também.
Em 1910 Florentino conversava numa farmácia com o Dr. Miranda (casado com Alexandrina, sobrinha de Flor Pereira). Comentou que Branca sabia mais que os professores que tinha. Ela era quem lia os jornais para ele quando o Dutra não estava. O dentista Antônio Perestrelo indicou sua prima Domitília Nunes Perestrelo (viúva do desembargador Francisco Perestrelo) para o ofício e ele aceitou a sugestão.
Alberto levava namoradas para visitar a fazenda de Florentino. Uma ocasião quis namorar Antonia, filha do dono da casa, mas Domitília (dona Neném), professora das meninas, aproximou Alberto de Branca.
Os habitantes de Santo Amaro tiveram suas atenções despertadas por quele rapaz de barba pequena e bem aparada. Aquele tipo de moda Alberto Antônio trouxera do Rio e era absolutamente nova em Santo Amaro. Como todo santamarense que se preze procura um apelido para as pessoas, logo Alberto Antônio ficou conhecio como "Barbadinho". Mas, embora ele ainda hoje seja lembrado com este apelido, a alcunha não vingou. Maneco, filho natural de Florentino chamou-o de "Moninho", associado a barba a pelos, Florentino então corrigiu para o menos ofensivo "Maninho", que prevaleceu até sua morte.
No ano de 1920, em Portugal, o pai de Alberto recebeu carta do filho, onde este declara em desejo "já antigo" de casar-se. De fato, no ano seguinte, a 29 de março, mesma data de aniversário do pai do noivo, Alberto Antônio e Maria se recebem matrimonialmente na casa de José Antônio, em Cantagalo, com toda pompa. Para que se aquilate a festa que se seguiu, basta contar que duas orquestras animavam-na: uma no jardim e outra no salão. Finda a comemoração, o casal ficou em Cantagalo, mesmo com a inconformidade de Dona Úrsula, que queria levar a filha de volta de qualquer maneira.
Alberto Antônio foi proprietário da Agência Dutra, de despachos, a primeira do gênero em Campos. Quando o pai faleceu, herdou uma fábrica de chapéus, que transferiu de Cantagalo para Campos. Por esses anos, para evitar homônimos, Alberto passou a assinar-se também DUTRA, apelido tomado ao avô materno.
O casal primeiro morou em casa na Beira-Rio, onde é hoje do Clube Saldanha da Gama. Mudou-se para a Rua Santos Dumont, onde nasceu a filha Maria Izabel. Em agosto de 1923 foram para chácara na Rua Formosa.
Em 1923 comprou a Fazenda Panorama, em Dores de Macabu, onde plantou cana-de-açúcar. Essa fazenda ficava perto da linha da "Leopoldina Railways". Alberto conseguiu dessa companhia um desvio para descarga de vagões (na porteira da fazenda) e um posto telegráfico. Assim, quando um trem saía com carga para o local, ele era avisado pelo telégrafo. Nesse desvio, Alberto mandou instalar um posto de fornecimento (aguardente, açúcar, sal, madeiras etc.). Desse modo, quando os fazendeiros iam buscar produtos que vinham pelo trem, aproveitavam para se abastecer sem ter de ir a Campos.
Conseguiu uma autorização para que o "rápido" (trem de passageiro para o Rio) fizesse uma parada de minutos nesse mesmo ponto, o que era útil para as famílias da região.
Muitos anos depois, em 1947, adquiriu as fazendas "Córrego do Viana" e "Socego" (sic !) em Guarulhos (hoje Guarus).
Em novembro de 1924 mudaram-se para palacete assobradado na Praça São Salvador, onde pagavam 500 mil réis de aluguel. Em setembro de 1927 foram para uma casa na rua Alberto Torres.
Em junho de 1928 Maria foi veranear em Friburgo. Alberto ficou cuidando de sua fábrica de chapéus. Na volta, a família ficou hospedada em São Fidélis, na casa de Nilo Teixeira. De volta a Campos, foram para casa na Rua dos Bondes, onde estavam vivendo no tempo da guerra.
Em artigo denominado "O Judas", Waldir Carvalho rememorava esse tempo. Transcrevemos um trecho dessa crônica:
"Próximo ao quartel da polícia, hoje dos bombeiros, morava uma filha de Florentino Pereira, nossa prima Branca. Não consigo esquecer das frondosas figueiras juntas do Paraíba, sempre repleta de pardais, em cuja sombra a banda militar costumava ensaiar seus dobrados. Mas, no quintal da prima Branca, havia, se não me engano, um pé de abio. Em seu tronco o Carlito e a Maria Izabel acharam de amarrar o Judas. Às dez horas, quando os sinos das igrejas começaram a tocar, o Tecido e a Carangola a apitar anunciando a Aleluia, fui chamado às pressas para participar do castigo ao Judas...".
Maria sempre gostou de música e aprendeu a tocar piano quando menina. Nessa casa teve uma séria queda nas escadas e fraturou diversos ossos da mão direita.
Por isso, nunca mais pôde tocar esse instrumento. Restou-lhe a religião. Em Campos pertencia à Associação de S. Vicente de Paula e à Associação do Sagrado Coração de Jesus, da então Catedral de S. Salvador (hoje Basílica Menor). Foi justamente a religião que lhe deu forças para suportar a ida de seu primogênito para os campos de batalha da Itália. Sua fé no amparo do Coração de Jesus era inabalável.
Em 1945 a família ficou hospedada no Hotel da Estação. Daí foi para a pensão de Alberto Amaral, na rua do Sacramento. Pouco depois foram para casa na rua Barão da Lagoa Dourada, onde hospedaram o neto Marco Polo em 1955. Alberto Antônio bebia bastante, embora nunca tenha ficado trôpego ou cambaleante, nem dormindo na rua por isso. Entretanto alguns casos pitorescos aconteceram por esse seu fraco. Quando marcava uma conversa, dizia: "procure-me no escritório", referindo-se ao boteco onde bebia.
Gostava muito de levar o sobrinho Mário com ele. Mário era grande, ao contrário de Dutra. Certa feita tomaram tantas, que Alberto chegou em casa com um paletó enorme, enquanto Mário levou um pequeno. No dia seguinte destrocaram as roupas.
Já idoso, no Rio, estava com o genro Pedro e a certa altura foi com ele para um barzinho que ficava no "hall" de entrada do apartamento do filho Carlito, onde Dutra morava. Pedro estranhou o descuido do sogro: "Seu Dutra, dona Branca não vai perceber que estamos bebendo ?". Mas o velho não era bobo: "Calma! O vento vem da cozinha para a sala. O cheiro não pode ir para lá." Gostava muito da companhia feminina e várias vezes levava a sobrinha Gilda para acompanhá-lo. Ficava bebendo cervejas e contando anedotas num barzinho da Av. Rio Branco ou noutro no cais de embarque da balsa Rio-Niterói.
Em 1956 o casal deixou Campos, vendendo sua casa na rua Barão da Lagoa Dourada para viver com o filho Carlos Alberto, recém-casado, no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, vivendo de rendas, parcas por sinal. Lembramo-nos do vovô como uma pessoa relativamente baixa (cerca de 1,65 m de altura), muito moreno, algo gordo e com ralos cabelos, que penteava de um lado para outro tentando esconder a calvície.
Vovó tinha mais ou menos a mesma altura e cabelos fartos e brancos. Dizem que tinha gênio pacato (sangue de barata, dizia vovô) até a ida do filho para a guerra. A partir daí passou a ficar muito encrenqueira, exceto para com os netos.
Nessa casa e sem ocupação outra que pequenos consertos na própria casa, a pitada nos cigarros que ele mesmo fazia e a leitura de jornais, Alberto Antônio, homem dinâmico, ia envelhecendo. Salvo algumas viagens à casa da filha em São Paulo ou a Campos, onde morava o filho caçula, ele pouco saía da apartamento. Maria ainda andava um pouco, indo diariamente à missa na igreja de Santa Terezinha.
Neste estado de coisas, Alberto Antônio vivia até que, em agosto de 1968 sentiu-se muito mal. O filho Carlos Alberto fiscal do INPS, estava a serviço em Cornélio Procópio (PR). Sua filha e o genro Pedro foram ao Rio buscá-lo para recuperar-se em São Paulo e souberam que fôra internado pelo sobrinho Nilson no Hospital Nossa Senhora do Carmo, de cuja Ordem Alberto Antônio era irmão. Porém pouco pôde ser feito e a 25 de agosto de 1968 ele desaparecia.
Seu corpo foi sepultado no cemitério da Ordem (no Caju), no Rio de Janeiro mesmo às exéquias compareceram inúmeros parentes e amigos, inclusive o Dr. Ernane Galvêas, que, como Dutra profetizara muitos anos antes, chegou a ministro, em janeiro de 1980.
Em fins de 1986 ela foi morar em São Paulo, com a filha que havia ficado viúva. Como Maria Izabel morreu de repente (Branca só iria saber disso muitos meses depois), os filhos disseram que a irmã estava internada em estado grave e, por isso, iriam levá-la (Branca) para Campos, para a casa do filho Betinho. Por azar, naquela manhã faltou luz no prédio em que Maria Izabel morava. Branca. Branca foi descida os seis andares em uma cadeira levada pelos netos Marco Polo e Paulo de Tarso. Essa cadeira levou Maria Izabel ao hospital onde morreu e também Branca de São Paulo, para sempre.
Ficou alguns poucos meses no Rio, passando a morar na Casa de Saúde São Luis (no bairro do Caju) a 6 de dezembro de 1987. Quase cega e surda, embora não de todo alienada do mundo. Recebia visita diário do filho Carlos Alberto. Entretanto, não há como negar, que ela vivia solitariamente. No Natal de 1988 os netos de São Paulo foram comemorar a data com ela porém Branca não mais os reconheceu. Era o princípio do fim. Debilitada por se recusar a comer ela foi levada à enfermaria do asilo, onde era alimentada com soro. Poucos dias depois, a 8 de janeiro de 1989 entregou, por fim, sua alma a Deus. Seu corpo foi depositado no cemitério do Caju, onde o marido descansava.