22.Florentino Pereira de Souza
23. Úrsula Maria das Virgens Souza
Florentino nasceu na fazenda do pai, em Santo Amaro de Campos, RJ, no dia 20 de dezembro de 1864, ainda que um índice de batizados da Matriz de São Gonçalo traga este acontecimento em 1863. Foi filho de José Pinto de Souza e Luzia Maria do Rosário.
"Aos doze de Abril de mil oitocentos e sescenta e cinco batisei solennemente ao innocente Florentino, branco, nascido a vinte de Desembro de mil oitocentos e sescenta e quatro, filho legítimo de José Pinto de Sousa e Luzia Maria do Rosário; neto paterno de Florentino de Sousa Pinto e Anna Maria do Espírito Santo e materno de João Pereira de Carvalho e Ignacia Maria de Jesus: foram padrinhos Francisco da Silva Riscado e Anna Carlota de Jesus. Capella de Santo Amaro, 12 de abril de 1865. Prescedido da licença do Revmo. Parocho de Santo Gonçalo. Pe. Ludgero Coelho das Neves"
Florentino teve como professor o proprietário do cartório de Santo Amaro que, mais tarde, foi também o preceptor de suas filhas.
Úrsula, batizada em Santo Amaro a 6 de abril de 1864 pelo tio Alexandre Pereira de Carvalho, nasceu no dia 5 de março de 1864. Sua filha Maria diz que a mãe nascera a 21 de maio de 1868, mas isto é contraditado pela certidão anexada ao inventário do pai dela, de onde tiramos as datas acima. Foi filha de Constantino de Souza Pinto e Mathilde Maria da Conceição.
Pessoa inculta -- Úrsula apenas sabia fazer suas iniciais em letra de forma -- no entanto conhecia profundamente as regras de boas maneiras, apesar de nascida e criada na roça. Muitos dos preceitos do mestre Marcelino de Carvalho ela já os usava e transmitia às filhas e às crias da casa. Dotada de bom coração, todavia tratava com rigor quem estivesse sob seu teto, não admitindo intrigas ou mentiras. Já naquela época dava às criadas folga de um mês por ano, colocando substituta no lugar. E nessa época sequer havia ainda legislação trabalhista que a obrigasse a isso.
Tinha bom gosto no vestir-se e como perfume só usava o legítimo "Jeki" francês. Usava um sabonete para o rosto, outro para o banho e um terceiro para as mãos. Gostava de jogar baralho e de costurar, o que fazia com irrepreensível capricho.
Era racista, como é próprio dos campistas da sociedade. Se um negro se sentava a seu lado no bonde nada dizia, mas se levantava indignada.
Gostava muito de inquirir os jovens sobre quem eram, o que faziam, a que família pertenciam ...
Apreciava muito jogar cartas, jogos ingênuos, como "burro", "crapot" e outros. Às vezes estava com o neto Carlito e o marido passava desaprovando: "Sinhá Úrsula, vai viciar o menino...". Respondia: "Nada, seu Flô".
Rezava sem exagero. Pouco saía, preferindo receber filhos e netos em sua casa. Apenas vez por outra ia ao teatro.
Como toda a família, seu maior cuidado era que as pessoas tivessem comido bem. Essa preocupação legou às filhas e às netas. Não raro guardava alguma fruta para os netos e esquecia disso. Quando iam ver embaixo do colchão, lá estava a fruta apodrecida.
Florentino, homem de destaque na sociedade campista, tinha um agudo senso de dignidade, chegando a sacrificar seus direitos para não perdê-la. Isso ficou patente após o passamento de sua sogra. Da herança dela, Úrsula Maria emprestou um dinheiro a seu irmão João Pinto de Carvalho. João Pinto matreiramente procurou "Flô" para pagar. Florentino recusou-se a receber a quantia devida, por puro orgulho.
Morou em Santo Amaro até 1897, de onde foi para a Usina do Visconde. De lá, em 1901, para o bairro do Capão, na cidade de Campos. No ano seguinte adquiriu o Engenho Central Nossa Senhora da Ajuda a Alexandre Pereira, avô de sua mulher.
Essa usina estava hipotecada a Flô por Alexandre Pereira de Carvalho, por um crédito que Florentino fizera ao tio. Quando Alexandre morreu, Antonio Batista, (primo natural de Florentino e tio de Úrsula) quis tomá-la. Francisco Manhães da Boa Morte foi falar com João Guimarães (advogado do Batista) e mostrou a ele que a viúva de Alexandre assinara de boa-fé o documento que permitiria a falcatrua. Tudo ficou acertado e Florentino ficou com a usina. Alguns anos depois teve também as fazendas Natal, Coqueiro e Fazendinha. Vendeu-as para comprar a fazenda Lagamar, em Ururaí. Residiam, então, na Usina do Queimado, de onde Florentino saía diariamente para arrumar Lagamar, de modo a transferir a família para lá.
Já na fazenda, o casal promovia bailes quase todas as noites, movimentadas a um sonofone que Flor Pereira levou para lá. A esses saraus compareciam os guarda-livros do Cupim, muitas moças das cercanias (Cupim, Paciência, Campos .. .). Aos domingos apareciam os amigos da família.
A Fazenda Lagamar foi a primeira a ter telefone em Campos. Alberto Dutra convenceu Florentino a instalá-lo. Flô achava que o telefone era para avisar das saídas do trem que iria pegar cana e lenha na fazenda, porém o Dutra mais o usava para cantar e tocar violão para as filhas da casa.
Em 1914 transferiu-se de Lagamar para uma chácara na rua 28 de Março (Passeio Municipal, na ocasião). Por esses anos comprou a fazenda Batalha, uma em Guriri (fazenda do Zamba, em 1916, como inventariante de Ana Maria do Espírito Santo) e outra, de nome São Benedito, na Beira Valão. Em 1919 adquiriu as de nomes Bonsucesso e Nossa Senhora da Conceição em São Fidélis.
Ia de vapor, geralmente com o filho homônimo, a essas fazendas em São Fidélis, onde se demoravam semanas.
Em setembro de 1920 Úrsula e filhos passaram um tempo em Friburgo. Em 1921 eles foram para Cordeiro.
De volta a Campos, estabeleceram-se em casa na Beira-Rio. Na crônica "O Judas", Waldir Carvalho escreve sobre a família: "éramos, como sempre, hóspedes de Florentino Pereira, o Flôr Pereira, que tinha a fama de possuir os melhores cavalos da região. O sobrado ficava na Beira-Rio, ao lado da Oficina da Sanguedo e bem em frente ao Porto da Banca, onde as pranchas procedentes de São João da Barra vinham trazer goiabas à vontade para as nossas fábricas de doces...".
Foi um homem muito vaidoso. Vez por outra trancava-se num cômodo, onde passava horas. Sua neta Maria Izabel se pôs, numa destas vezes, a espreitar o avô por uma fenda na porta, descobrindo o segredo: ele pintava de negro os bigodes e os cabelos. Seus trajes eram sempre impecáveis. Jamais foi visto sem estar irrepreensivelmente composto.
Era, por outro lado, supersticioso. Não tolerava o número 13. Certa vez, sabendo que a operação de um tumor que tinha no intestino fora marcada para um dia treze, recusou-se a ser operado. Foi então marcada nova data para a cirurgia. Ela, contudo, se tornou desnecessária, pois naquele dia treze em que a operação estava marcada, o tumor arrebentou e o pus foi expelido naturalmente pelo organismo.
Quando estava para nascer Maria Izabel, sua neta, Florentino andava pensativo. Poucos dias antes do parto, estava sentado meditativo numa cadeira de balanço na varanda de casa. Alberto Antonio, vendo o sogro triste, procurou diplomaticamente descobrir a causa do banzo. Por fim, Florentino desabafou: "Esta menina ainda vai nascer no dia treze só para me dar desgosto". Dito e feito, a neta veio ao mundo nessa data.
Na política, Florentino foi apaixonado seguidor das idéias do senador gaúcho Pinheiro Machado. Tal era a simpatia e amizade pessoal que devotava ao parlamentar que, quando ele foi assassinado a facadas no Hotel dos Estrangeiros no Rio de Janeiro, Florentino rasgou simbolicamente o título de eleitor com um mesmo instrumento assassino. Uma garrafa de champanha comprada para receber Pinheiro Machado em sua volta jamais foi aberta enquanto Florentino viveu.
Flô Pereira teve várias amantes. Fifi, uma delas, hospedava-se na casa de Alexandrina (Xandoca, sua sobrinha e prima de sua mulher). Por esse motivo, o nome de Alexandrina, não era pronunciado na casa de dona Úrsula. A ela se referiam apenas como "Beiço Rachado", em alusão aos lábios leporinos de Xandoca.
Outra característica de Florentino Pereira era sua paixão por equinos. Exímio cavaleiro, ele só caiu da montaria uma vez: no dia 14 de janeiro de 1897, na cavalhada que se seguiu ao batizado de sua filha Maria. Nesta ocasião fraturou o braço.
Foi o construtor do primeiro prado de corridas, agora chamados "jóquei-clubes", em Campos. Quando foi erigido o Jóquei de Campos, seu nome foi lembrado para ele. A prefeitura, entretanto, deu o nome de Lineu de Paula Machado ao conjunto. A Câmara Municipal de levantou num protesto acre, pois Lineu de Paula, turfista carioca, nada representava para Campos. Porém a Prefeitura fincou pé e o tempo amainou os protestos dos camaristas. Florentino criava cavalos em Santo Amaro. Muitas vezes ia ao Espírito Santo comprá-los. Outras a São Paulo ou Minas Gerais. Estes cavalos de raça eram cedidos, no Carnaval, para comporem a guarda de honra do clube carnavalesco "Macarroni".
Certa vez, indo examinar uma partida de animais chegados de Minas, Florentino não tomou as cautelas necessárias e foi de chinelos ao estábulo. Nele, um dos cavalos pisou acidentalmente em seu pé. De volta à casa, Florentino limpou o pé ofendido com álcool e recolocou a pele sobre o seu lugar original. Essa ferida, insuficientemente tratada, inflamou. Levado às pressas à Santa Casa de Misericórdia, onde era Mordomo, Florentino sofreu duas amputações na perna. Nem isso, todavia, foi bastante e, no dia 6 de abril de 1937, morreu.
Seu corpo foi levado para o Cemitério Municipal de Campos, onde foi sepultado junto de seu filho José, na quadra G.
Úrsula morava em Campos. Teve uma casa grande no Turfe. Depois foi para a Beira-Rio, de onde saiu para morar com a filha Antonio na rua Alberto Torres, nº 289. Nessa casa, no dia 2 de maio de 1949 falece de arteriosclerose. Foi sepultada em cova comum, na quadra N do Cemitério de Campos.