HISTÓRIA GERAL
A Revolução Agropastoril

Introdução

        O Período Neolítico Inicial coincidiu, em termos climáticos, com a era pós-glacial denominada Período Atlântico, um período relativamente quente e úmido que se estendeu de 6.500 a 3.900 a.C.

        Certamente premidos por períodos de fome, comunidades passaram a incorporar em sua dieta espécies vegetais selvagens. Esse alimento não era manipulado, isto é, não era plantado, suas ervas daninhas não eram combatidas nem seu espaço era capinado ou adubado.

        Algumas dessas espécies atraíam animais que delas de alimentavam para perto das cabanas dos grupamentos humanos que as colhiam. Com o tempo, o convívio entre humanos e animais, bem como a observação diuturna dos ciclos de desenvolvimento das plantas trouxeram um cabedal de conhecimentos que permitiu a revolução neolítica, na qual plantas e animais passaram a ser criados.

        O uso intensivo de plantas e animais domésticos se desenvolveu em várias partes do mundo, nas zonas chamadas centrais. As mais conhecidas delas são as do Crescente Fértil (Oriente Médio), do Vale do Nilo, da Birmânia, da China e da América Central. Cada uma dessas regiões são chamadas de nucleares e, a partir delas, a nova tecnologia se expandiu para as comunidades vizinhas.

        Evidentemente, a economia agropastoril exigiu o desenvolvimento de novas ferramentas, tais como foices e segadeiras, semeadeiras e arados para a agricultura, raspadores de couro e cangalhas para as bestas. Sem contar que, após uma fase acerâmica, desenvolveu-se uma técnica ceramista que veio substituir panelas de pedra, pesadas e de pouca mobilidade, para o trato e guarda dos alimentos.


Os Processos de Expansão da Agropecuária

        Ainda se discute se a expansão neolítica decorreu de desenvolvimento autóctone, derivado de uma percepção generalizada em todo o mundo das vantagens do domínio das fontes vegetais e animais de alimentos, se foi um processo induzido por migrações (hipótese colonialista) ou contatos culturais, isto é, por imitação (hipótese difusionista). Um argumento a favor da colonialista está em sítios da costa egéia, na fronteira turco-grega, que apresenta vestígios de tradição centro-anatólia: numa camada abaixo da que apresentava cerâmica do estilo Karanovo-Sesklos, havia cerâmicas monocrômicas do Neolítico Inicial, reconhecidamente assemelhadas às da Anatólia Central.

        Um modelo para o processo difusionista que dispensaria movimentos de grandes massas humanas foi proposto por Juán Manuel Vicent García e foi chamado de Modelo da Difusão Capilar. Tal modelo se funda no contato entre comunidades pobremente organizadas, como os bandos mesolíticos que estavam na trajetória do processo de neolitização.

        Segundo esse modelo, as relações sociais entre grupos geograficamente vizinhos envolviam uma troca intensa de bens e presentes, seja a título de obrigações de parentesco, de alianças políticas e, às vezes, de conflito (situações como saques, por exemplo). As cerâmicas, plantas e animais domesticados circulavam nessa rede social, às vezes como produto, outras como meio de produção ou símbolo de status. Esta última forma explicaria o porquê de ser a agricultura o último elemento do tripé neolítico a se estabelecer nas comunidades mesolíticas sem problemas alimentares: a propriedade de louças ou animais conferia um certo status a seu detentor, o que não ocorria com a atividade de colher grãos ou legumes.

        O processo difusionista era seletivo. As comunidades só tomavam dele aqueles elementos familiares ou que pudessem ter valia na competição intra-tribal. Os demais eram abandonados. Quando essa comunidade levava a neolitização adiante, transmitia apenas os elementos que havia absorvido, os quais eram novamente filtrados pelas populações recipientes do processo.

        Seja qual for a forma em que a neolitização se processou, sua difusão ocorria em três estágios. De início, havia a disponibilidade da tecnologia, época em que as populações mesolíticas tomavam conhecimento dela, mas não se interessavam em adotá-la. Num segundo momento, vinha o estágio da substituição, quando alguns elementos da nova técnica eram adotados, coexistindo com os métodos ancestrais. Por fim, chegava o estágio da consolidação, quando a nova técnica substitui completamente a velha tradição.

        A primeira fase costumava ser a mais longa de todas e apenas soía ser superada quando fatores externos, como glaciações, aumento populacional ou exaustão dos recursos naturais forçavam o avanço para as fases seguintes.

        Os nutricionistas relevam que um sistema de intercâmbio entre as comunidades agrícolas e extrativistas pode repousar no suprimento global do binômio proteína-carboidrato. O contato entre sociedades de baixa densidade com diferentes bases alimentares permite uma oferta estável de carboidratos estocados nos cereais das comunidades sedentárias agrícolas às comunidades nômades de caçadores. Por outro lado, permite o suprimento de proteínas (alimento energético) pelos nômades caçadores às comunidades sedentárias agrícolas.

        No processo de neolitização,  as culturas neolíticas e mesolíticas coexistiam durante a fase de disponibilidade, uma vez que em geral não concorriam pelos recursos naturais. Aos agricultores interessava os terrenos de campo, de solos leves, pois suas ferramentas não permitiam o desmatamento senão com muito esforço. Já os grupos mesolíticos tinham nos bosques boa parte de sua fonte alimentar.

        Esse quadro viria a mudar quando a população das famílias agricultoras crescia ou incorporava ferramentas que lhes permitisse a derrubada crescente de florestas.

        O processo expansionista da agricultura tende a ser colonizador. O trabalho agrícola ocupa muito tempo de uma família. Não há como assentar-se longe da área de produção, pois o deslocamento até a parcela produtiva consumiria horas extras para manter o caminho até ela desimpedido, para transportar utensílios, sementes e a própria produção para os armazéns da família. Isso sem contar a necessidade de ocupar mão-de-obra improdutiva na custódia e defesa dos caminhos e residências deixadas para trás, no caso de a propriedade ou a residência se localizarem num ambiente hostil.

        Em função disso, quando a comunidade crescia, não bastava incorporar novas terras ao patrimônio tribal, fazia-se mister que a família de agricultores se mudasse para essas novas terras.


As zonas nucleares do Oriente Médio

        Entre 10.000 e 8.000 a.C., o Oriente Médio (Mesopotâmia, Israel, Palestina e Egito) e a Ásia Menor (Turquia e Iraque) assistiram ao período Natufiano, considerado a primeira fase da transição das comunidades de caçadores-coletores para comunidades agropastoris. Essa transição levou centenas de anos para se consolidar. Aos poucos, as populações dessas áreas foram dominando as técnicas de controlar a multiplicação de vegetais, principalmente grãos, e de manejar rebanhos de cabras, ovelhas e gado.

        Com o avanço dessas técnicas, o suprimento de alimentos passou a depender menos da caça, naturalmente de caráter errante, e pôde sedenterizar-se e se juntar em assentamentos maiores. Surgiam grandes concentrações proto-urbanas.

        O melhor exemplo de uma dessas comunidades natufianas é a de Mallaha (Eynam).  Em seu   conjunto habitacional foram encontradas pequenas casas semi-enterradas, de forma circular ou oval, a maioria delas com paredes de pedras e postes de madeira fincados para sustentar o teto, covas, lareiras e sepulcros.

        Os costumes das populações natufianas exerceram influência sobre os vizinhos. Muito lentamente se expandiram por novas áreas, quer levados por colonos que se afastavam da pátria original à busca de novas terras e pastos, quando a explosão demográfica os impelia, quer pela aculturação das comunidades de caçadores-coletores com quem tinham contato. É possível que, pelo menos em tempos de carestia ou redução da caça, grupos de caçadores se acercassem dos natufianos à procura de alimentos e, assim, pouco a pouco fossem se acostumando com a nova dieta e aprendendo técnicas relacionadas com esse modo de vida e, num segundo momento, se inserindo nesse domínio cultural.

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        Na região ocidental da Ásia Menor, densamente povoada por grupos de caçadores e pescadores mesolíticos, as ondas culturais neolíticas provavelmente foram geradas pelo comércio com os centros mais desenvolvidos do Oriente Médio, principalmente a Babilônia e o Egito.

        Uma das fronteiras de expansão dos grupos natufianos foi o povo Hattis da Turquia. Os Hattis, um ramo dos povos Trialetianos, proto-caucásios, sofreram aculturação a partir dos povos Mureybetianos, natufianos provenientes da Síria. E dali, transmitiram essa nova cultura aos povos vizinhos.

       Na Europa, a expansão Neolítica começou pela faixa mediterrânea por uma razão bem simples: era ali que as variedades de plantas cultivadas na área Natufiana encontraram condições climática mais favoráveis. Mais tarde, quando novas espécies foram adaptadas para os climas mais adversos, a agricultura pôde avançar para o centro e o norte da Europa. Mas aí se defrontou com uma região recoberta por florestas densas, fruto do período climático Atlântico, com manchas de aluvião nos vales e bacias fluviais.

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As zonas nucleares asiáticas

Índia

        A economia agropecuária também se desenvolveu em diversas zonas asiáticas. Um foco surgiu na Índia entre o vale do Indo e o sul do Himalaia. Ali, o zebu e o iaque foram domesticados e as plantas nativas (banana, pepino, arroz e inhame) começaram a ser cultivadas.

Sudeste Asiático

        Outro foco apareceu no sudeste asiático (Birmânia, Laos, Camboja, Vietnãs e Malásia). O arroz, o milho-miúdo e o inhame passaram a ser cultivados, enquanto galinhas, porcos e búfalos foram domesticados. Nas ilhas do Pacífico, o coco e a fruta-pão entravam na dieta.

Extremo Oriente

        Um terceiro centro surgiu no oeste da China, com a domesticação do painço, da soja e do pepino.


As zonas nucleares africanas

África Ocidental

        Além da expansão agropecuária originária do Oriente Médio, na África ocidental se desenvolveu uma zona nuclear de exploração do melão e do inhame.

Vale do Nilo

        A pecuária originária do Oriente Médio se compunha basicamente de caprinos e ovinos. Só mais tarde a pecuária bovina foi introduzida no norte africano. Ela se expandiu pelos maciços do sul da Líbia e da Tunísia, mas não pôde rumar para o sul, tomado por florestas densas e povoadas de moscas tsé-tsé, fatais para os animais.

        Por outro lado, a agropecuária subiu o vale do Nilo, aproveitando-se das cheias do rio, que deixavam depositado na terra o húmus fertilizante. Nesse vale, o trigo e o sorgo se juntavam ao gado para trabalho e para produção de carnes e laticínios.


O surgimento da agricultura nas Américas

América do Norte

        Nessa mesma época, o girassol e o feijão estavam sendo domesticados nas florestas do vale dos rios Mississipi e Tennessee.

América Central

        Na América, uma área nuclear apareceu na América Central, com a domesticação do peru e inúmeras plantas nativas (feijão, girassol, abacate, milho, batata doce, tomate, cacau).

América do Sul

        Na Amazônia, se desenvolveram culturas de abacaxi, mandioca e inhame. Nessa área, contudo, a agricultura sempre ocupou papel suplementar na dieta dos povos locais. A caça de macacos, tapires, pacas, cotias e jacarés se somava à pesca nos riquíssimos rios amazônicos.

        Também aqui, a fase ceramista é posterior à adoção de uma economia agrícola. Os objetos em cerâmica geralmente tinham função ritual.

       Finalmente, na área andina se observa uma crescente domesticação da alpaca e da lhama. Dentre as espécies vegetais se encontram o algodão, a abóbora, o feijão lima, a pimenta e a batata.


A África Agropastoril
    A Europa Agropastoril
        A Ásia Agropastoril
            A América Agropastoril

segue A Revolução Metalúrgica


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