As religiões são sociedades humanas com a crença comum na existência de um ou mais deuses, dos quais elas se colocam como seguidoras. Assim, sua obediência se dá a um desígnio impositivo de tal ou tais entidades. Delas não cabe discussão, apenas obediência.
Em particular, dentre as religiões monoteístas, temos o Cristianismo e, dentro dele a Igreja Católica Apostólica Romana.
Para a Genealogia, a Igreja Católica ocupa um papel central, pois é a única religião conhecida que preserva a memória dos fiéis em seus documentos. Assim, daqui em diante trataremos como fontes religiosas apenas os documentos católicos, salvo expressamente declarado.
Administrativamente, a Igreja Católica se divide em paróquias, também conhecidas como freguesias, agrupadas em um bispado ou arcebispado. À parte desta organização, há instituições temporárias e para efeitos muito específicos, como o Santo Ofício.
Para registro, uma unidade religiosa é dita oratório, se estiver em propriedade privada e, portanto, sem um altar e sacrário. Capelas são unidades religiosas pertencentes à Igreja, mas sem funcionamento permanente. São cuidadas por um padre cura. Por fim, igreja paroquial é definida por ter atividade permanente e ter o Santíssimo Sacramento (cálice com hóstias no sacrário) sempre presente. Esta presença do Santíssimo é indicada por uma luz (geralmente de vela) acesa em sua proximidade.
Suas atividades, competências e limites são definidas em decisões papais (as bulas, as encíclicas, os breves, a Constituição Apostólica, a Exortação Apostólica e o Motu Próprio), em decisões conciliares e dos sínodos (isto é, das assembleias de cardeais e bispos), em decisões das constituições episcopais (reuniões de bispos de uma região). As regras a serem seguidas pelos católicos estão codificadas no Código de Direito Canônico.
Para facilitar a exposição, vamos tipificar as ações religiosas que nos proporcionam informações genealógicas, segundo o nível da administração católica.
São elas:
No âmbito paroquial
A administração de sacramentos
Os sacramentos que têm mais informações genealógicas são o Batismo e o Casamento.
De origem pré-cristã, tanto o batismo quanto o casamento foram elevados à categoria de sacramentos, isto é, um rito sagrado que entre o fiel e Deus. No batismo, a criança ingressa no grêmio católico. No casamento, os nubentes se comprometem perante Deus a determinadas práticas de vida conjugal.
Tais sacramentos tiveram a obrigatoriedade de registro em livro específico consolidada no Código de Direito Canônico (cuja última versão data de 1983), onde está estatuído:
Cân. 535 § 1. Em cada paróquia, haja os livros paroquiais, isto é, o livro de batizados, de casamentos, de óbitos, e outros, de acordo com as prescrições da Conferência dos Bispos ou do Bispo diocesano; cuide o pároco que esses livros sejam cuidadosamente escritos e diligentemente guardados. |
O sacramento do batismo
O assento de batismo já era comum em várias paróquias: aqueles mantidos no Batistério de Florença, Itália, são datados de 1340. Os encontrados, em Palermo, também na Itália, começam em 1350.
A Constituição Diocesana de Lisboa, de 25 de agosto de 1536 obrigava os párocos ao registro dos batismos na área desta Diocese.
Todavia, sua obrigatoriedade a toda a comunidade católica somente foi instituída no Rituale Romanum, editado pelo Papa Paulo V em 1614, onde na seção De Sacramento Baptismi lê-se:
Hic denique Ritualis liber fit paratus et item liber baptismalis in que baptizati describuntur |
Ou seja, "Aqui, finalmente, seja preparado o Livro do Ritual e também o Livro do Batismo no qual os batizados são descritos".
Os livros de batismo estão guardados em geral na igreja matriz da paróquia onde o sacramento foi ministrado. Por cuidado, alguns bispos mandaram recolher tais livros, ou cópia deles, ao arquivo diocesano.
Por vezes, há livros distintos para anotar batismo de pessoas livres e pessoas cativas. Também é comum, por economia de papel, que um mesmo livro registre batismos, casamentos ou óbitos. São os chamados "livros mistos".
Há, também, alguns sites que copiaram livros de registros paroquiais de batismos, tais como: o Family Search (dos Mórmons), a Slave Society (da Universidade Vanderbilt), o Endangered Documents Archive (da British Library).
Os elementos mais comuns nos assentos dos livros de batismos são:
Os livros de batizados muitas vezes permitem ao pesquisador conhecer um amplo período da história da família em um único assento.
O sacramento do casamento
O assento de casamento em livro próprio foi instituído pelo Concílio de Trento, Sessão XXIV, com o Decreto da Reforma do Matrimônio (Canones super reformatione circa matrimonium, caput I):
Ali se lê:
Habeat parochus librum in quo coniugum et testium nomina diem que et locum contracti matrimonii describat quem diligenter apud se custodiat. |
Isto é, terá o pároco um livro, no qual escreverá os nomes dos esposos, e das testemunhas, e o dia, e lugar em que o matrimônio se contraiu, cujo livro guardará em seu poder com cuidado.
Igualmente, os livros de casamento estão guardados em geral na igreja matriz da paróquia onde o sacramento foi ministrado. Por cuidado, alguns bispos mandaram recolher tais livros, ou cópia deles, ao arquivo diocesano.
Por vezes, há livros distintos para anotar casamentos de pessoas livres e pessoas cativas. Também é comum, por economia de papel, que um mesmo livro registre batismos, casamentos ou óbitos. Como vimos, são os chamados "livros mistos".
Há, também, alguns sites que copiaram livros de registros paroquiais de casamentos, tais como: o Family Search (dos Mórmons), a Slave Society (da Universidade Vanderbilt), o Endangered Documents Archive (da British Library).
Os elementos mais comuns nos assentos dos livros de casamentos são:
O sepultamento em campo santo
Encontrou-se no povoado francês de Givry, em 1334, livros onde já se registravam alguns óbitos católicos.
Em 1614, o Papa Paulo V viria a estabelecer igual obrigatoriedade também para o registos de óbitos.
Também o livro de sepultamento em campo sagrado é fonte rica de informações.
Como nos livros sacramentais, os livros de sepultamentos, também conhecidos como livros de óbitos, estão guardados em geral na igreja matriz da paróquia onde o ofício das exéquias foi realizado. Também, por cuidado, alguns bispos mandaram recolher tais livros, ou cópia deles, ao arquivo diocesano.
Por vezes, há livros distintos para anotar os sepultamentos de pessoas livres e pessoas cativas. Da mesma forma já vista é comum, por economia de papel, que um mesmo livro registre batismos, casamentos ou óbitos. Os chamados "livros mistos".
Há, também, alguns sites que copiaram livros de registros paroquiais de óbitos, tais como: o Family Search (dos Mórmons), a Slave Society (da Universidade Vanderbilt), o Endangered Documents Archive (da British Library)
Os elementos mais comuns nos assentos dos livros de sepultamentos são:
Aqui se encontram alguns dos mais emotivos registros existentes nos arquivos religiosos. Alguns mostram com cores vivas a tragédia da morte.
O cumprimento das obrigações da Quaresma
Foi instituída pelo Rituale Romanum em 1614 a obrigação de os fiéis se confessarem e jejuarem em preparação para a Quaresma.
O pároco deveria registrar em livro os dados pessoais dos paroquianos, os sacramentos que tinham recebido, bem como informações sobre a sua ocupação e posse, uma vez que este registo era também utilizado para calcular o chamado dízimo. Tal livro, Liber Status Animarum, também chamado de Rol dos Confessados ou Desobriga da Quaresma. Relação nominal dos paroquianos que se confessaram e cumpriram as penitências durante a Quaresma.
No âmbito episcopal
Processos matrimoniais
São processos matrimoniais:
Proclamas matrimoniais
Também chamados de banhos (do antigo francês ban, provavelmente oriundo da língua dos francos, significando proclamação de suserano, anúncio, bando).
Diz o Canones super reformatione circa matrimonium , do Concílio de Trento, em seu Caput I:
idcirco sacri Lateranensis concilii sub Innocentio III celebrati vestigiis inhaerendo praecipit ut in posterum antequam matrimonium contrahatur ter a proprio contrahentium parocho tribus continuis diebus festivis in Ecclesia inter Missarum solemnia publice denuntietur inter quos matrimonium sit contrahendum; quibus denuntiationibus factis si nullum legitimum opponatur impedimentum ad celebrationem matrimonii in facie Ecclesiae procedatur |
Em Português, "seguindo os passos do sagrado concílio de Latrão, celebrado sob Inocêncio III, ele ordena que no futuro, antes que um casamento seja contraído, em três dias festivos consecutivos, na igreja entre as solenidades solenes das missas, será anunciado três vezes pelo próprio cônjuge ao pároco entre quem o casamento será contraído. Tais anúncios feitos, se nenhum obstáculo legítimo à celebração do casamento surgir, que seja celebrado diante da Igreja".
Ou seja, trata-se de um pregão em que se informa aos paroquianos das paróquias onde os noivos moram ou assistiram a intenção de eles se casarem, para ver se há quem ponha impedimento ao casamento.
Os proclamas matrimoniais estão guardados nos arquivos das Cúrias Diocesanas ou Metropolitanas.
São elementos dos proclamas matrimoniais
Processos de dispensa de impedimento
Como visto, há a possibilidade de algum fiel levantar algum impedimento para sustar o casamento. Geralmente os impedimentos são o parentesco, consanguíneo ou afim entre os noivos. A Igreja considera impeditivo canônico o parentesco consanguíneo até o 4° grau de consanguinidade e o parentesco afim até o 2° grau.
Cânone 3. A Igreja proíbe o casamento entre parentes até um certo grau de consangüinidade (4° grau).
Cânone 5. A afinidade resultante da fornicação e dirimindo o casamento subseqüente está restrita ao primeiro e segundo graus. Para os outros graus, a fornicação só engendra um impedimento proibitivo.
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Parentescos consanguíneos - conceitos
Parentescos consanguíneos - exemplos
Quando o tio ou tia se casa com a sobrinha ou sobrinho.
São os primos. Quando o pai ou a mãe de um nubente é irmão do pai ou da mãe do outro.
Quando os pais de um são irmãos dos pais do outro nubente. Também chamados às vezes de primos-irmãos.
Quando um dos avós de um nubente é irmão do avô ou da avó do outro nubente. São os ditos primos em segundo grau.
Neles, por vezes os vigários transcrevem as certidões de batismos dos noivos, o que muitas vezes complementa as lacunas dos livros paroquiais faltantes. Muitas vezes, também, os escrivães eclesiásticos montam um esboço da descendência dos nubentes a partir do tronco comum. As declarações das testemunhas também aportam informações preciosas, mesmo porque muitos deles são parentes próximos dos noivos ou vieram da mesma região de um dos candidatos.
Ademais, há também impedimento por diferenças de cultos, ou seja, casamento entre um católico e um acatólico, e (no passado) também por diferença de qualidades, isto é, casamento em ter cônjuge livre e cônjuge cativo.
Os processos de impedimento estão guardados nos arquivos das Cúrias Diocesanas ou Metropolitanas.
Os elementos das dispensas canônicas por parentesco são, em geral:
Justificação de solteiro e justificação de idade
Trata-se de medida preventiva onde um fiel, estando de mudança para lugar distante e sabendo das dificuldades de comunicação, pede para mostrar ser solteiro e daí tirar uma certidão que levará consigo.
Outro processo muito comum é o de justificação de idade. Muitas ocasiões, o assento de batismo não foi lançado em um livro ou a folha, ou mesmo o livro inteiro se perdeu, de sorte que o fiel não pode mostrar estar em idade de se casar. Para suprir a falha, apresenta testemunhas que presenciaram seu batismo.
Tais processos também estão nos arquivos das Cúrias Diocesanas ou Metropolitanas
São elementos dos processos de justificação de solteiro ou de idade
Reclamação por promessa de casamento descumprida
Vez por outra, moças ou mesmo senhoras eram seduzidas e se entregavam confiando em promessa de casamento feita pelo sedutor. Também não era raro um senhor contratar casamento com o pai de uma jovem, com promessa de dote.
Percebendo que o pacto não iria ser cumprido, o prejudicado levava o caso à Vara Eclesiástica de sua freguesia, exigindo o cumprimento do tratado.
Não raramente, no caso de sedução, o sedutor era preso no aljube até cumprir a combinado.
Os elementos mais comuns em tais processos:
Os processos sacerdotais
Os processos sacerdotais são todos aqueles que a Igreja impõe àqueles que desejam ou que assumem vida sacerdotal.
Os mais comuns processos sacerdotais são:
O processo de De Genere (latim para acerca das origens)
Nele, é verificado se o habilitando não descende de judeus, mouros, índios ou negros, que no passado eram classificados como raças infectas (doutrinariamente falando).
As habilitações de De Genere decorrem do Breve "Dudum charissimi in Christo", do Papa Sisto V, de 25 de Janeiro de 1588, que proibia o provimento do sacerdócio em pessoas com ascendência de cristãos novos. Evidentemente entendendo que tais pessoas não estavam preparadas para transmitir a doutrina cristã por não as dominar.
Segundo resenha na Wikipedia, elas foram instituídas em Portugal, em meados do século XVII. O recrudescimento do Santo Ofício com as ditas “nações infectas” levou a Coroa a proibir a participação de diversas etnias, principalmente a hebréia, no corpo administrativo; inclusive na Igreja via Padroado Régio.
Em 1779, o provimento do cargo eclesiástico foi estendido aos cristãos novos e a descendentes de turcos, judeus e gentios, provado o seu bom comportamento, com exceção dos filhos ou netos de pessoa que tivesse cometido crime de lesa majestade divina ou humana, ou regressado ao judaísmo, de acordo com o Breve "Dominus ac Redemptor noster", de Pio VI, datado de 14 de julho de 1779. Assim, este processo era uma salvaguarda administrativa que vigorou até início do século XIX, até à entrada dos governos liberais.
Sua realização cabia ao Tribunal Eclesiástico, através de inquérito e submetia-se a ele não só aspirantes às ordens eclesiásticas, mas todos aqueles que almejavam carreira administrativa.
No Brasil, as habilitações eram processadas e estão guardadas nas Cúrias Diocesanas ou Metropolitanas.
Os elementos do processo de De Genere são
O processos De Vita et Moribus (latim para sobre a vida e os costumes)
Nele, o candidato é perscrutado sobre seu passado sem crimes ou má conduta.
Eles tinham propósito semelhante ao processo de De Genere, mas focam principalmente no pleiteante, buscando saber se tem boa conduta, não tem vícios, condenações civis ou eclesiásticas e coisas do gênero. Eram processados e também estão conservados nos arquivos das Cúrias Diocesanas ou Metropolitanas.
Os elementos do processo De Vita et Moribus:
O Processo de Patrimônio
Tal processo visa verificar se o candidato tinha ou tinha recebido bens cujos rendimentos poderiam sustentá-lo.
Em algumas dioceses, era comum que os dois ou três primeiros processos corressem de uma só vez. Como os demais, estão armazenados nos arquivos das Cúrias Diocesanas ou Metropolitanas.
Os elementos mais presente em processo de patrimônio
O Processo de Recebimento de Ordem ou de Redução de Interstícios
Aqui, o habilitando solicitava receber nova ordem, maior ou menor, na hierarquia da Igreja, mostrando os estudos que já cumprira e o atendimento de outros requisitos. E no caso de Redução de Interstício, buscava mostrar que era desnecessário esperar o tempo regimental para ascensão na carreira.
Os elementos mais presentes em tais processos são os abaixo, ressaltando que estes processos não guardam um formato tão estruturado quanto os anteriores:
O processo de Oposição a Freguesia.
Nele, o já sacerdote pleiteava receber uma igreja paroquial para administrar.
No âmbito do Santo Ofício
A Santa Inquisição foi um movimento político-religioso que ocorreu entre os séculos XII ao XVIII na Europa e nas Américas, visando buscar o arrependimento dos considerados hereges pela Igreja e condenar as teorias contrárias aos dogmas do cristianismo.
O Papa Gregório IX, em 1233, determinou uma Cruzada contra os hereges cátaros, também chamados de albigenses, na região do Languedoc, em torno do ducado de Toulouse, na França. Para prover os serviços necessários ao julgamento deles, foi criado o Tribunal do Santo Ofício.
Em 1536, foi instalado em Portugal um Tribunal do Santo Ofício para julgar crimes contra a Igreja ou a ela relacionados. Mais tarde, ele passou também a julgar a retidão doutrinária de candidatos a ocupante de algumas funções na organização, bem como crimes cometidos contra a doutrina da Igreja, a moral cristã e crimes sacerdotais.
Tais processos estão guardados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal.
Os principais processos conduzidos pelo Santo Ofício são:
Apuração de crimes religiosos
Os crimes religiosos mais frequentes eram a negação de dogmas ou da doutrina (heresia), renúncia ou abandono da fé (apostasia), insulto às pessoas sagradas (blasfêmia), simonia, bigamia, feitiçaria, judaísmo, sodomia, quebra de votos eclesiásticos ...
Os elementos mais comuns dos processos por crimes religiosos (dependendo do processo)
Nos processos por judaísmo, são muito importantes para os pesquisadores as seções de:
Habilitações para familiar ou comissário do Santo Ofício
As principais funções dos familiares eram ligadas à máquina policial do Santo Ofício, cabendo-lhes executar as prisões de suspeitos de heresia, sequestrar os bens dos condenados, nos crimes em que coubesse confisco, e efetuar diligências a mando dos inquisidores. Havia ainda familiares médicos, que examinavam os presos e avaliavam sua resistência à tortura (Wikipedia).
Os comissários eram agentes eclesiásticos, pertencentes aos quadros da Inquisição, eram responsáveis pela preservação da fé, controle da moral e dos costumes da população colonial. Auxiliares que exerciam suas funções em distritos, províncias e arcebispados afastados das sedes dos tribunais.
Os elementos principais do processo para familiar ou comissário do Santo Ofício:
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