Introdução
Como visto anteriormente, a Convenção da Nova Zelândia acordou que o Pleistoceno Médio (1 milhão a 120 mil anos atrás) é o período que vai do início do ciclo faunístico Cromeriano, no interglacial Günz-Mindel, até o início do interestádio Eemiano, no interglacial Riss-Würm.
A primeira parte do Pleistoceno Médio foi um período quente tanto na Europa quanto na África. Nesta, os complexos pluviais do Kamasiano antigo refrescaram o clima, não marcando tanto a transição.
Durante esse período, a variação climática foi grande: a Europa presenciou duas eras glaciais (Mindel e Riss), a Ásia do Norte passou por três glaciações na Sibéria (Demianka, Samarovo e Tazovo) e de três a cinco glaciações na região himalaia. A África passou por duas estações pluviais (Kamasiano e Kanjeriano).
Aproveitando-se do período interglacial, o H. Erectus ocupou a Europa e o norte da Eurásia por volta de um milhão anos atrás. Na Europa, as espécies mais antigas de H. Erectus foram batizadas com o nome de Homo Antecessor e Homo Heidelberguensis e os mais novos como Homo Neanderthalensis. Eles teria chegado da África, quer pelo Estreito de Gilbraltar, quer pelo sul da Itália. Possivelmente nessa época faixas secas de terras emergiam durante as marés baixas, permitindo a caminhada entre os continentes.
A indústria lítica dominante no Pleistoceno africano meridional era a oldivaiana evoluída (Idade Inicial da Pedra). Já no norte e nordeste africano, no Oriente Médio e na Europa persistia a chamada acheulense recente (100 a 60 mil anos atrás). Restos deste estágio dessa indústria foram achados nas praias marítimas de Anfaz. Nele surge uma técnica de lascagem chamada protolevalloisiana.
Característica comum a todas essas tradições da fase antiga do Paleolítico Inferior europeu é a ausência da técnica levalloisiana de obtenção de lascas. A técnica levalloisiana surgiu como consequência da preocupação de padronizar os utensílios. Baseia-se na preparação de uma pedra grande (núcleo) a ser transformada em utensílio. Tal núcleo é desbastado até atingir o tamanho adequado para as peças finais. O núcleo desbastado é conhecido como tartaruga, por ter a forma do casco desse animal. Ele é, então, golpeado para que dele se destaquem lascas grandes, finas e de bordos cortantes. Tais lascas podem ser usadas sem posteriores aperfeiçoamentos ou retocadas para produzir utensílios novos.
No sul da planície russa encontram-se artefatos da indústria de lavras rissiniana, onde alguns grupos apresentam técnica predominantemente clactoniana, com núcleos líticos despreparados, enquanto outros são manufaturados pela técnica levalloisiana.
O Homo Erectus
O Homo Erectus continuava sua existência no Pleistoceno Médio. E nesse período penetrou na Europa. Há restos deles em Burgos (Espanha), Petralona (Grécia), Vértesszöllös (Hungria), Mauer e Heidelberg (Alemanha), Tautavel, Terra Amata, Lazaret e Caune d'Arago (França), Isernia La Pineta e Notarchirico (Itália), entre outros, datados entre 800 a 250 mil anos atrás.
Na Ásia, o H. Erectus também seguia sua evolução. Quarenta esqueletos de Sinanthropus Pekinensis, achados na gruta de Chou-kou-tien, nas vizinhanças de Pequim, apresentaram idade entre 460 e 230 mil anos.
Quanto aos exemplares europeus, há quem os veja como H. Erectus, como H. Sapiens arcaico ou como pré-neandertais ou ante-neandertais. Não há fósseis indicando que teriam chegado à Europa antes de 800 mil a.C., decerto porque os caminhos para ela e para as estepes russas estava fechados pelas neves que cobriam as montanhas da Turquia. Também não conseguiram transpor o estreito de Gibraltar antes disso.
Os sítios do H. Erectus ficavam em norma sob rochas salientes, perto de rios ou lagos. A habitação era geralmente estacional, às vezes em abrigos ou fendas nas encostas de colinas e morros, às vezes em cabanas de paus e folhas. O sítio de Terra Amata, por exemplo, era ocupado entre a primavera e o início do verão. Dormiam sobre colchões de vegetais recobertos por peles de animais.
Há sinais de que o fogo já era controlado pelo H. Erectus entre 450 e 250 mil anos atrás, como nos sítios de Vértesszöllös (Hungria), Terra Amata (França), Torralba (Espanha) e Chou-kou-tien (China). A partir da fase final do Paleolítico Inferior, as fogueiras passaram a ser circundadas por montículos de terra, pedras ou pedregulhos, ou feitas no interior de buracos ou sobre uma camada de pedras chatas.
A tradição associada ao H. Erectus do Pleistoceno Médio ainda era a acheulense antiga, rica em talhadeiras, artefatos de lasca e machadinhas (também conhecidas pelo nome francês de hacheraux).
A afirmação dos bifaces levou os arqueólogos a denominarem este novo período industrial (na Europa) de Paleolítico Inferior (do grego paleo=velho). Ele se estende também por parte do Pleistoceno Superior, até a glaciação de Riss. Na África, seguia o período denominado Idade Antiga da Pedra, embora alguns cientistas estendam o termo Paleolítico também para o nordeste da África e para a Ásia.
Na Europa Ocidental, durante o Paleolítico Inferior observa-se dois fenômenos: primeiro, a diminuição dos instrumentos de seixos, substituídos por bifaces, e dos instrumentos extraídos por lascagem e, em segundo lugar, o aperfeiçoamento técnico e estilístico dos bifaces.
A fase mais antiga do Paleolítico Inferior é caracterizada por instrumentos feitos a partir de lascas de pedra. Eles apareceram a partir da glaciação de Günz (como os achados da gruta de Vallonet, na Provença francesa, datados de 900-860 mil anos) e se estendeu até o glacial de Mindel ou talvez até o integlacial de Mindel-Riss.
Publicações recentes mostram que não há razões para se distinguir na Europa do Paleolítico Inferior a indústria abbevilliense ou para se dividir o acheulense em três fases, como na África e no Oriente Médio, segundo os critérios tipológicos. É possível, todavia, identificar tradições regionais do acheulense europeu. Na época da glaciação de Günz temos a seguinte distribuição de estilos:
clássico antigo ou arcaico | |
caracterizado por numerosos bifaces e presente na França setentrional e Inglaterra | |
meridional arcaico | |
caracterizado por instrumentos de seixos e os obtidos a partir de lascas. Inclui a machadinha. A indústria é ora rica ora pobre de bifaces. Entre os sítios ricos em bifaces estão Roussillón (França), Torralba e Ambrona (Espanha) e Torre in Pietra (Itália). Entre os sítios pobres em bifaces estão alguns na Provença (França), principalmente o de Terra Amata. No Lácio (Itália), o sítio de Castel di Guido, também pobre em bifaces, mostra lavração de ossos. | |
clactoniano | |
tradição encontrada no território que ia do sudeste inglês pelo norte da França, passando pelo sul da Alemanha, se estendendo até o norte da Áustria e oeste húngaro. Foi achado também na Sardenha. Fortemente aparentada com a tradição olduvaiana, é rica em grandes seixos elaborados e instrumentos feitos de grandes lascas. Privado de bifaces. A tradição clactoniana é mais antiga que a acheulense clássica | |
taiasiano antigo | |
presente na Espanha, sul da França (principalmente em Roussillón e Langue d' Oc) e Europa central. Rica em pequenos instrumentos feitos a partir de lascas. |
No sul da França apareceu um novo complexo chamado de Evenosiano.
Algumas tipologias (raspadores, facas e objetos com bordas serrilhadas ou denticuladas, feitos a partir de lascas de pedras) apareceram e se desenvolveram rumo à indústria denominada musteriense.
No centro norte da Europa, achou-se na gruta andalja (Croácia), de provável idade pré-mindeliana, um dente incisivo superior de hominídeo, associado a uma talhadeira acheulense e à fauna vilafranquiana. Também dessa datação devem ser os sítios de Becov I e Praga-Suchodol (na Boêmia), onde talhadeiras primitivas aparecem juntos a poliedros e lascas retocados. Essa tipologia prossegue na era mindeliana e no interglacial Mindel-Riss.
Também obra do H. Erectus é a indústria de microseixos, também conhecida por indústria de Buda, por ter sido primeiramente descoberta no castelo de Buda (Hungria), já existente no glacial de Mindel, como os do sítio de Vértesszöllös (também na Hungria) e no interglacial de Mindel-Riss, como os do sítio de Biltzingsleben (Alemanha).
No Extremo Oriente e na Ásia Meridional, o quadro geocronológico é semelhante ao do Paleolítico europeu, com exceção de uma fase quase no fim do rissiniano, que na Ásia correspondeu às glaciações siberianas de Samarovo e Tazovo. Nessa região, a indústria de seixos (particularmente talhadeiras) persistiu até o fim do Pleistoceno sem grandes modificações.
Na Ásia Meridional, a Índia continental guarda sítios com instrumentos de seixos e grandes lascas nos depósitos argilosos e pedregosos das terraças associadas com a terceira glaciação himalaia. Artefatos acheulenses (bifaces e machadinhas) foram recuperados nos depósitos do terceiro glacial, no Punjab. Já a Índia peninsular revelou indústria de seixos nos depósitos de gelo do Pleistoceno Médio, enquanto bifaces e machadinhas foram recuperados em terrenos limosos do Pleistoceno Médio e Superior em Soan. Este sítio deu o nome de Cultura de Soan à indústria local de talhadeiras. Apesar disso, restam dúvidas sobre a intencionalidade da produção de alguns sítios-guias.
Embora pertençam à tradição olduvaiana, a indústria lítica do sudoeste asiático apresenta variações regionais devidas tanto à matéria-prima disponível (em geral quartzo e tufo vulcânico e madeira petrificada), quanto pela finalidade. Por isso, recebem nomes especiais: aniaciano (Birmânia e arredores), patjataniano (Indonésia) e tampaniano (Malásia).
No sudeste asiático, observa-se uma longa evolução na indústria de seixos. Em Burma, na Tailândia e na Malásia, são reconhecidos vários estágios da indústria anyatiana, com talhadeiras, perfuradores, clavas e raspadores.
Na Indonésia, a indústria de talhadeiras (tradição patjitaniana) está associada a restos de H. Erectus datados de 700-600 mil anos. A indústria continua se desenvolvendo ao menos até o Pleistoceno Superior.
Na China, a fase de Hsihoutu-Lantian é seguida pela de Tingtsu, datada do Würm Antigo, representada pelos sítios de Chou-kou-tien (610-300 mil anos atrás), um abrigo amplo, com a sequência de assentamentos temporários e permanentes, com várias fogueiras e restos de H. Erectus. A indústria encontrada neste sítio compreende basicamente lascas, frequentemente retocadas, algumas talhadeiras e perfuradores. Tal tradição teve início no glacial de Riss, quando os artefatos de lascas se tornam prevalecentes na indústria. Aparentemente esta indústria foi a base para a indústria de micrólitos de lascas do Pleistoceno Superior local.
Nessa caverna, foram achados restos de fogueiras, seja para um possível cozimento da carne, seja para manter os animais perigosos afastados. Nela havia ossos de animais como lobos, ursos e felinos grandes (alguns maiores que o tigre). Além deles, ossos de búfalos, camelos, veados, elefantes, cavalos e avestruzes. Setenta por cento dos animais abatidos eram gamos, mostrando que o clima era muito mais quente que hoje nessa região e nesse período. E mostra também que as chuvas eram abundantes o suficiente para manter as pastagens dos herbívoro.
As ferramentas ali encontradas eram de uma pedra arenosa e, às vezes, de um sílex de baixa qualidade, feitas na tradição acheulense. O conjunto incluía bifaces e unifaces, artefatos de lascas (até bem elaborados raspadores). Alguns dos ossos encontrados podem ter sido usados como utilitários.
Também na bacia do rio Bose, na região chinesa de Guangxi Zhuang, foram localizados artefatos acheulenses de 800 mil anos de idade.
As indústrias do Paleolítico Inferior asiático não ultrapassaram os maciços montanhosos do norte da Ásia. Apenas na Ásia Central foram escavados alguns sítios que revelaram talhadeiras da idade rissiana (Karatau I, no Cazaquistão) ou até mais antiga, próximos à fronteira paleomagnética Matuyama-Brunhes (Kuldara).
Na gruta de Pech de l'Azé, na Dordonha (França), em um sítio de H. Erectus, foi encontrado o mais antigo sinal de manifestação artística: um fragmento de osso da costela de um bovídeo com incisões curvilíneas que aparentam ser voluntárias. Em Terra Amata e em Isernia la Pineta (ambas na Itália) foram encontrados pigmentos corantes.
Segue o Surgimento do Homo Sapiens
Criado e administrado por Marco Polo T. Dutra P. Silva
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