O barco parte para as ilhas de Orkney, o ponto mais ao norte que nosso tempo permitiu (Shetland fica a 7 horas de viagem de barco das Orkney).
Não é recomendável levar carro para as Orkney, a menos que você pretenda ficar lá muito tempo ou queira ver todas as atrações das ilhas. É caríssimo (43 libras para o carro e 14,50 libras por pessoa). De qualquer forma, reserve tudo antes de viajar para John O’Groats e região, para não ir lá à toa, pois no verão os hotéis e barcos ficam lotados.
Ao invés de atravessar de carro, contrate uma excursão. Ela não leva a todos os lugares interessantes, mas os que você vê valem a pena.
Chegamos a Burwick, na ilha South Ronaldsay. Algumas das ilhas são ligadas por uma estrada construída sobre as barreiras de Churchill. Quando da 2ª Grande Guerra o primeiro ministro Winston Churchill mandou afundar navios entre as ilhas, para impedir que os alemães ali estabelecessem uma base de operações. Mais tarde os canais foram entupidos por enormes pedras: as barreiras de Churchill. Quando a maré desce se pode ver os esqueletos de alguns dos navios afundados.
As ilhas são grandes e as terras são bastante aproveitáveis. Inúmeras pastagens são artificiais, mostrando que a pecuária ali é rendosa.
Fomos contornando a Scapa Flow, uma baía grande e bonita entre as ilhas de South Ronaldsay, Hoy e Mainland. Nessa baía está o campo petrolífero que enriqueceu as ilhas.
Kirkwall
A primeira parada foi em Kirkwall, a capital da ilha. Ela é bem maior que imaginávamos. No centro estão a catedral de S. Magno, com os restos mortais do santo, e as ruínas dos palácios do bispo e do duque.
A catedral de São Magno fica no centro da cidade e é uma construção alta em pedra marrom-avermelhada.
A região (Shetlands, Orkney e Caithness) fazia parte de um condado norueguês pelo século XI. Um dos condes foi Thorfinn, avô de São Magno.
Quando Thorfinn morreu, seus filhos Erlend e Paul coadministraram o condado. Em 1098, quando Magnus Erlendsen era jovem, o rei Magnus da Noruega veio a Orkney com uma flotilha. Mandou os dois condes à Noruega e levou Erlendsen em sua jornada de pilhagens, que incluiu as Hébridas e mesmo Anglesey (no País de Gales).
No Estreito de Menai, País de Gales, o garoto desobedeceu à ordem do rei de atacar o galeses alegando não ter nada contra eles. Mais ainda, pegou o livro de salmos e começou a cantá-los. O rei, fulo da vida, mandou prendê-lo, mas ele fugiu na escuridão da noite. Anos depois reapareceu em Orkney, depois que o rei Magnus morreu. Nessa época seu pai e tio já estavam também mortos e Hakon, filho de Paul, assumiu o condado.
Magnus, calculando ter o apoio suficiente, reclamou sua parte no condado e a recebeu. Mas a relação entre eles estremeceu. Foram feitas negociações para reatar as relações entre os primos. Concordaram que cada um levaria dois navios e um número limitado de homens para uma conferência na ilha de Egilsay. Era provavelmente no ano de 1117.
Hakon descumpriu sua parte e levou oito navios e uma força poderosa de homens. Magnus foi morto com um golpe de machado. Seu crânio, exposto na catedral, mostra a ferida fatal.
A construção da igreja começou em 1137 na administração do conde Rognvald, sobrinho de Magnus. Os trabalhos foram supervisionados por Kol, um régulo vindo da Noruega, pai de Rognvald. Este Rognvald herdou a meação do condado que pertencia a Magnus e foi posteriormente também canonizado.
A catedral não é enorme, mas é bonita. Tem paredes internas mais claras que as externas e enormes vitrais multicoloridos.
A igreja se tornou a sede do bispado de Orkney. Dentro dela há lápides de diversos membros da elite local, geralmente do século XVII em diante.
William, o Velho, foi o primeiro bispo de Orkney e estava subordinado ao arcebispo de York. Em 1154 o bispado passou ao arcebispado norueguês de Nidaros (ou Trondheim) até 1472, quando foi incorporada à província eclesiástica escocesa de St. Andrew.
William, o Velho, foi pastor por 66 anos. Residia na ilha de Egilsay, onde àquela época existia uma belíssima igreja, hoje sem teto, também dedicada a São Magnus.
Hábil diplomata, o bispo acompanhou o duque Rognvald em sua peregrinação à Terra Santa.
Em 1848 a tumba do bispo foi achada na catedral. Com os ossos estava uma pequena placa de chumbo com a inscrição:
H(ic) Requiescit Williamvs Senex Felicis Memorie |
Outro ilustre personagem sepultado na Catedral é o rei Håkon Kakonsen (Haakon IV). Ele veio da Noruega em 1263 em expedição pela costa oeste da Escócia. Não foi muito exitosa tal expedição e o exército escandinavo foi derrotado em Largs pelas forças do rei escocês Alexandre III. O rei voltou a Orkney para passar o inverno e se hospedou no Palácio Episcopal, mas ficou doente e morreu. No ano seguinte seus despojos foram levados para a Noruega.
Também na catedral foi enterrado o capitão Patrício, da Armada Espanhola, falecido em Fair Isle. A Armada, sob o comando do almirante Medina, foi derrotada pelas forças do capitão Drake. Alguns navios chegaram à ilha de Westray, nas Orkney, e ali ficaram até receber convite das autoridades das Shetlands para se recuperar nessas ilhas antes de voltar para a Espanha.
Conta o historiador Robert Sibbald que o inverno se aproximava e os habitantes de Fair Isle, temendo falta de alimentos e a morte por inanição, atiravam dos rochedos os espanhóis encontrados sozinhos.
Alguns dos marujos permaneceram nas ilhas, se casando com nativas e deixando descendentes (conhecidos por os Dons). Muitos adotaram nomes regionais, tais como Petrie, Reid ou Hewison.
O Palácio Episcopal fica ao lado da catedral. Foi construído no século XII e hoje está em ruínas. Num de seus cantos há uma larga torre redonda de cujo topo se tem uma vista linda de Kirkwall.
Ele foi reconstruído e reformado várias vezes, sendo que uma das maiores reformas foi no episcopado de Robert Reid (1541-1558).
Em 1568 o palácio passou à posse do conde Robert Stewart (filho bastardo do rei James V), aparentemente por pressão sobre o bispo Adam Bothwell. Ao conde Robert sucedeu seu cruel filho Patrick que, em 1607, afogado em dívidas, teve de devolver ao bispo James Law o palácio.
Junto à catedral e ao palácio episcopal fica o Palácio Ducal. Ali o conde Robert Stewart viveu até morrer em 1593.
Nas ruínas ainda se pode ver como era suntuoso o salão nobre, que ficava no segundo andar, e a cozinha, no térreo, junto com as adegas.
Ali no centro está também um interessante museu contando a história do local, com artefatos (geralmente pedras gravadas) pictos e viquingues.
Uma das atrações de Kirkwall ocorre duas vezes por ano (Natal e Ano Novo): o Ba’, um gigantesco jogo de rugby com mais de 200 jogadores de cada lado. Os times são os Uppies e os Doonies, cujos participantes vêm do norte (ups) ou do sul (downs ou doon) da cidade. O jogo começa no pátio da catedral. Os Doonies têm de levar a bola para o porto e os uppies para o lado oposto da cidade. Os jogos costumam durar mais de 6 horas e acabam na escuridão.
Stromness - Skara Brae - Maes Howe
Paramos também em Stromness, onde chega a balsa de Scrabster e onde pára a que faz a rota Aberdeen - Shetland. A cidade é pequena e apertada, com uma rua estreita e serpenteante para os carros e pedestres, sem calçadas. Tudo muito apertado. Vila de pescadores e veranistas, não tem um comércio sofisticado.
A seguir fomos ver o Skara Brae, um povoado neolítico de mais de 5 mil anos, que fica à beira-mar e foi descoberto em 1850, quando uma violenta tempestade varreu a grama e areia que a encobriam. Os tetos de madeira recobertos de palha já sumiram há milênios, mas sobraram as paredes semi-cobertas das casinhas redondas. São claramente visíveis os locais da fogueira, das camas (quadriláteros cercados por grandes pedras), assim como os "armários" e portas.
As paredes, de pedras cuidadosamente empilhadas, estão recobertas por grama. Uma passarela sobre elas permite ver de cima os cômodos, pequenos e interligados por passagens de pouco mais de um metro de altura.
A 300 metros da vila neolítica fica a Skaill House, do século XVII, mal-assombrada propriedade dos lordes de Breckness. Ela foi construída sobre um cemitério picto ou da Era Antiga Cristã. Alguns restos mortais, provavelmente do século VII, foram achados nas fundações da casa.
Outro ponto alto da turnê foi o Ring of Brogar (leia brórrar). Eram 60 pedras altíssimas formando um círculo do tamanho de um campo de futebol. Hoje 36 dessas pedras ainda estão de pé. Perto dali está Stenness, um círculo pequeno, do terceiro milênio antes de Cristo. Consistia originalmente de 12 pedras, uma das quais ainda existe.
Ali também fica a vila de Stenness, da mesma era, hoje reconstruída.
Também não longe está o Maes Howe (mái cháu), uma câmara mortuária neolítica do tipo "de passagem". Por fora não impressiona como a de Newgrange, na Irlanda, mas a entrada e a câmara têm as pedras lisinhas e não irregulares como em Newgrange. Também ela é mais velha que as pirâmides do Egito.
O quarto interno é quadrado e de paredes lisas. Ele mede uns 5x5 m2 e nas paredes há nichos, onde provavelmente eram depositados os mortos. Um desses nichos é, em realidade, um quartinho menor com o piso num nível mais elevado que o da câmara principal. Parte dessas paredes teve de ser reconstruída depois de serem destruídas pelos viquingues no século XII. Essa parte está pintada de branco.
Os viquingues se comportaram como grafiteiros e deixaram várias inscrições rúnicas nas paredes. E alguns desenhos, inclusive um que parece um leão ou um dragão.
As inscrições rúnicas trazem informações interessantes sobre o cotidiano delas. Eis algumas:
1. Ingibjorg, a linda viúva. Muitas vezes uma mulher entrou de quatro aqui. Uma pessoa muito exibicionista. Ao lado está escrito Erlingr (um nome)
2. A Thorni deitou-se. Helgi gravou na pedra.
3. É verdade o que eu digo que o tesouro foi levado três noites atrás.
4. Essas runas foram feitas pelo mais habilidoso escritor em runas do oceano ocidental.
5. Ingigerth é a mais linda das mulheres.
A maioria apenas diz que "fulano fez essas runas” (RR, ou reist runas). São exemplos desses nomes Vemundr, o filho de Tholfr Kolbeinn, Arnfithr Matr, Haermund "Machado Forte", Tryggr. Isso demonstra o grau de educação dos viquingues, muito superior ao do povaréu celta que ali vivia.
A Orkneyinga Saga (cuja interpretação pode ser vista no Orkneyinga Saga Center, em Orphir) conta que o conde (jar, de onde vem o termo inglês earl) Rognvald Kali juntou cruzados na ilha e partiu em 1150 para a Terra Santa. Enquanto estava fora, seus rivais batalharam para obter o domínio da ilha.
Um dos pretendentes, Maddadarsen, filho do conde de Atholl, tentou um ataque de surpresa sobre Orkney. Desembarcou em Stromness a 6 de janeiro de 1153. Surpreendidos por uma borrasca, procuraram abrigo em Maes Howe.
Nesse mesmo ano, Rognvald voltou das cruzadas. Alguns de seus homens gravaram runas nas paredes de Maes Howe, onde dizia:
Há muito tempo atrás um tesouro foi escondido aqui |
Outro completou:
E Haakon sozinho tirou-o desse monte |
Um outro escriba se referiu a um herói lendário ao gravar:
Este monte foi erguido antes de Ragnarr Lothbrok |
e, brincando com o fato de lothbrok (“vestido com um calção felpudo”, em dinamarquês antigo) ser uma palavra feminina, completou:
seus filhos eram corajosos, embora fáceis de se esconder |
Pela análise dos objetos achados no local, os arqueólogos imaginam que dois grupos viveram na região. Um deles enterrava seus mortos em montes contendo longas câmaras alinhadas com quiosques de pedra (como as de Ronsay e Unstan). O outro com uma câmara central que leva a câmaras laterais (como Maes Howe, Wideford, Cuween e Newgrange).
A tumba era usada por povos que viviam em vilas como Skara Brae entre 3100 e 2250 a.C.
Como em Newgrange, em Maes Howe se demonstra como o sol iluminava a câmara no solstício de inverno. Na câmara apenas foi encontrado um pedaço de um crânio humano e ossos de cavalos.
Ao lado do Maes Howe há um centro com vídeo sobre os viquingues na área.
Há na ilha de Ronsay o Midhowe Broch, um belíssimo exemplo de fortificação neolítica, cujas paredes são formadas por milhares de pedras compridas e alinhadas em declive para fora, como uma saia armada. Na parte de cima estão as ruínas das edificações. Ao redor um chão plano, de pedras que são encobertas pela maré alta.
Na ilha de Papa Westray fica a casa chamada Knop of Howar, a mais velha e melhor conservada casa da Europa Ocidental, com cerca de 5 mil anos de idade. Suas paredes ainda hoje dividem os cômodos e o exterior da casa e as portas estão perfeitas.
Na ilha de Hoy fica uma pedra de cerca de 137 metros de altura, como uma das pedras da ilha de Páscoa, no Chile. É o Old Man of Hoy e a seus pés se estende o mar. Na maré alta a pedra fica totalmente cercada pelas águas do Atlântico Norte.
Também na ilha de Hoy, a uns 25 metros da estrada principal, está a tumba de Betty Corrigall, a Dama de Hoy. Ela morreu em fins da década de 1770. Ela morava perto de Rysa, estava com 27 anos e seu namorado estava fora pescando baleias. Ela, então, descobriu que estava grávida. Com vergonha ou medo das consequências, ela tentou o suicídio várias vezes. Na primeira, entrou mar adentro na expectativa de se afogar, mas foi resgatada com vida. Dias depois se enforcou no celeiro da fazenda.
Como naqueles dias a Igreja não permitia o sepultamento de suicidas em campos consagrados, ela foi enterrada num sítio isolado.
Mas mesmo morta, ela não teve sossego. Em 1930 membros da família Robb estavam cavando “peat” para carvão e deram com o caixão. Pensando ser um tesouro, abriram-no para descobrir o quê continha. Assustados, repuseram-no no lugar. Porém em 1941 soldados ingleses cavavam para fincar postes telegráficos e repetiram o incidente. O corpo da jovem, que até então se conservara quase perfeito, deteriorou-se com a contínua exposição ao ar ambiente a partir do momento em que curiosos passaram a abrir o caixão para vê-la. Para por um fim a esta exploração da morta, funcionários do governo depositaram o caixão num sepulcro de concreto.
Vimos também a Capela Italiana, construída pelos quase mil prisioneiros de guerra italianos que foram mandados a Orkney para construir as Barreiras de Chuchill entre 1941 e 1943. Depois da guerra todos retornaram à Itália. É uma capela clara, com motivos bem coloridos, bem mediterrâneos.
Segue Dunfermline ...
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