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CADERNOS DE VIAGEM

AMÉRICA DO NORTE - Estados Unidos - Califórnia

Death Valley (Vale da Morte)

Cruzamos o Mountain Spring Summit, onde no inverno há neve o suficiente para esquiar, e fomos dormir em Pathrump (leia Parâmpa e não me pergunte o porquê). Uma típica cidadezinha do deserto, com cassino e tudo, como a que aparece no filme "Paris, Texas" ou no filme "Bagdad Cafe". Muito quente!

Death Valley. Esse nome foi dado por um caboclo mórmon que estava com duas famílias tentando fugir desse vale calorento e seco. Ontem estava 118 ºF (mais ou menos 45 ºC). É um bafo fervente e seco o tempo todo. Poucos minutos ao sol e as têmporas começam a latejar. Parece que o sangue quer estourar as veias e fugir. O recorde de temperatura ocorreu no princípio do século: 59 ºC.

Em todos os folhetos há advertências quanto ao calor e seus perigos: insolação, perda de sais e morte. Recomenda-se cuidar do motor do carro e no caso de dificuldades não abandonar o veículo, pois não se pode ir longe. Por todo o vale há reservatórios de água para os radiadores dos carros.

O Vale era um lago enorme na era glacial. Depois de secar, o fundo ficou coberto de sais. Por isso, olhado de cima (da Dante's View), o Vale aparenta um enorme lençol de areia branca. Essa "areia" é, em realidade, um gigantesco depósito de pedras calcárias.

Ele é cercado pelas altas (cerca de 1.750 m de elevação) montanhas Panamint Range (a oeste), Black Mountains (a leste, onde está o Dante's View), a Funeral Mountains, a Owlshead Mountains e a Grapevine Mountains. Com isso, o fundo fica como já descrevi.

Entramos por Shoshone (um vilarejozinho - sentiram o tamanho? - de cerca de 100 habitantes), pelo sul do vale. Já de cara a entrada é assustadora. Parece que estamos andando na Lua. São quilômetros, a perder de vista, de rochas descobertas de vegetação, erodidas. Aqui e acolá uma touceira e é só. Parece um gigantesco depósito de entulhos de obras. Um calor de deixar o Rio a 40 graus um lugar ameno. O vento é forte e seco. Sobre isso tudo, vem o medo de o carro pifar ali. Ainda mais com a quantidade de alertas que os folhetos trazem. E toma descida. Lenta, mas constante. Desolação por tudo quanto é lado. As montanhas vão ficando altíssimas e você percebe que está indo para o fundo do poço. O fundo, como já disse, é recoberto por uma rocha salina branca semelhante a corais marítimos. Por ser branca, reflete toda a luz solar, aumentando o calor.

Atravessamos o Mormon Point e chegamos a Bad Water, o ponto mais baixo do hemisfério ocidental (80m abaixo do nível do mar). Ali há um poço de água salgada. Além dele, só há um córrego perene no Vale: o Salt Water Creek, oriundo das águas das chuvas que às ve­zes cai. Esse córrego tem águas 60 vezes mais salgada que a água do mar. Ainda assim uns peixes miúdos vivem nele.

A seguir a linda Artist's Drive, onde se sobe e desce em pistas tão estreitas que carros mais largos não passam em alguns pontos. As pedras parecem querer cair sobre o passante. Há inúmeros pontos onde a terra fica esverdeada, talvez indicando mineral cúprico. O motor do carro quase ferveu algumas vezes. É difícil administrar isso: o primeiro recurso quando o motor ferve é desligar o ar condicionado. Aí quem ferve é você. Não se deve parar, pois o ar é muito quente e não ajuda a refrigerar o motor. Não se deve andar muito rápido para não gerar calor extra para o motor. Assim, você fica limitado a andar sempre (preferencialmente a 40 mi/h).

Fizemos nosso acampamento num hotel em Furnace Creek. Um hotel superinteressante, com museu da ferrovia local, usada para transporte de bórax extraído ali, piscina (sempre morna pela incidência solar), campos de golfe, inúmeros apartamentos e chalés etc. Os jardins recebem água a noite toda e parte da manhã para manterem o verde. Os apartamentos têm ar condicionado, que aqui não é questão de conforto, mas de sobrevivência. Nesse hotel encontramos um senhor de Curitiba e sua filha, quem diria?

Tentei uma voltinha ao sol pelo museu de mineração que há no hotel, a céu aberto. Em poucos minutos minhas têmporas latejavam e parecia que o sangue ia explodir as veias da cabeça.

Estivemos nas dunas (Sand Dunes). Muito grandes, cor de areia suja (cinza amarronzada), como aquela que existe na Praia do Forte, em Cabo Frio. Lindas pelo local em que estão, mas não tão formosas como as de Cabo Frio.

Um pulo adiante (uns 20 km), Stovepipe Wells, o outro vilarejo do vale. Também perto dali o desfiladeiro Mosaic Canyon, onde o pessoal anda à pé para ver a geologia da região. Ele é perigoso quando há aquelas tempestades súbitas (que provocam as flash floods), pois as encostas sem vegetação não seguram a água e permitem trombas d'água letais.

Voltando de Stovepipe Wells, parei nas ruínas da antiga mina de bórax que por 10 anos sustentou economicamente a região. Trabalhadores (geralmente chineses) amontoavam as pedras minerais, que eram levadas para um enorme forno, fundidas, resfriadas em pedras de bórax quase puras e transportadas montanhas acima em enormes carroções puxados por 10 parelhas de mulas até a Death Valley Junction, onde o trem as pegava (o mesmo trem mostrado no museu de Furnace Creek). Esse lugarejo era tão progressista que quase não tinha casa, mas tinha hotel e casa de óperas. Verdade!

Fico imaginando os trabalhadores e as mulas operando àquelas temperaturas.

São poucos os bichos que vivem nesse deserto: a cascavel (aqui chamada de sidewinder e anda lateralmente, tocando o menos possível a areia fervente), o escorpião amarelo, o roadrunner (o famoso Bip-bip dos desenhos animados), o corvo, pequenos lagartos e umas poucas outras espécies.

Nele os índios shoshone viviam no inverno, plantando. Em 1849 os brancos chegaram. Um bando de mineiros de ouro e mórmons que se dirigiam para Utah. Entraram no vale pelo Oeste para cortar caminho. Pouco tempo ali e decidiram sacrificar os bois, tanto para ter carne quanto porque os bois eram muito lentos na travessia. Queimaram as carroças para fazer fogueiras e defumar a carne dos animais. Isso aconteceu onde hoje é o vilarejo de Stovepipe Wells.

Duas famílias decidiram manter os animais e rumar para o sul, buscando a saída do inferno. Com eles foram dois rapazes, que se destacaram do grupo para melhor procurar a saída. Foram esses dois que descobriram esse caminho por onde entramos e voltaram para buscar os outros, que estavam acampados no local que já citei (o Mormon Point). Os batedores acharam estranho não verem vida nos carroções e supuseram um ataque de índios. Como tinham 15 cartuchos e calcularam que os índios seriam poucos, deram um tiro de alerta para o alto. Imediatamente saiu de baixo de uma das carroças um dos mórmons de mãos para cima. Eles estavam à beira da morte, se protegendo do sol.

Daquele grupo que queimou as carroças, apenas um morreu de sede e desidratação. Os demais acharam saída ao norte do vale.

Nossa saída, três dias depois, se deu pelo Zabriensky Point, estrada por onde as mulas subiam. Esse Point tem um belvedere lindo. Ali as rochas são amareladas a ponto de parecerem montanhas de ouro. Não há uma folha sobre elas.

Adiante, uma entrada à direita e uns 15 km de estrada nos levam ao mais bonitos dos belvederes: o Dante's View, assim denominado em referência à visão do inferno que Dante Alighieri teve na Divina Comédia. Ele é uma plataforma a 1.750 m de altitude e a uma temperatura 13,9 ºC menor que a de Bad Water, no Vale. Anda-se uns 200 m por sobre as montanhas e a vista é inesquecível. Lá em baixo o Vale recoberto do branco dos sais a a perder de vista. Do outro lado a Panamint Range. Minúsculos clarões acusam os carros pelas estradas do Vale, tão pequenos que muito dificilmente a vista os localiza. O belvedere é quente, mas muito mais ameno. Uma brisa torna o local muito agradável e a vista realmente cativa.

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