No dia seguinte, uma garoazinha chata e um vento frio. Decidimos em comum acordo que era o clima ideal para ir ver os megalitos de Carnac. A atmosfera era ideal para este cenário entre a Idade do Ferro e a ocupação bretã. Ambiente um tanto místico.
Chegamos a Carnac (Karnag em bretão) pela hora do almoço. O museu estava fechando e fomos almoçar. Na saída compramos uns doces muito gostosos na doceria vizinha. O rapaz era muito alegre, chutava alguma coisa em espanhol, nos fez provar um torrone feito em casa. Quando mostrei um abacaxi desidratado, ele disse que era da Polinésia, assim como as outras frutas exóticas da loja. Repliquei que para nós exóticas eram a cereja, o pêssego, o mirtilo ... Ele concordou rindo.
Deu-nos umas indicações de coisas para ver em Dordogne.
O Museu da Pré-história abriu. O melhor que vi até agora na França. Talvez em Paris haja outro maior, mas esse é bem distribuído e com um acervo muito bom. Começa mostrando a geografia local durante as glaciações. Segue pelo Paleolítico e Calcolítico. Quando entra na Idade do Cobre e do Ferro, passando pelas culturas de Hallstadt e La Tène, a documentação fica bem mais rica. A coleção de estelas gravadas é muito rica.
Sobre o período romano e bretão, a documentação é mais pobre. Mas ainda assim, vale a visita a ele.
Museu visitado, fomos ver os alinhamentos de pedra de Ménec, de Kermário e de Kerlescan. São agrupamento grandes de menires alinhados.
Adivinha quem encontramos? O austríaco da Floresta de Brocéliande.
Os menires são de diversos tamanhos, alguns bem altos. No alinhamento de Ménec há também um dólmen.
Ali perto, fomos ver o Cairn de Kercado. É um dos únicos no mundo que ainda estão inteiros. O conjunto compõe-se de um menir alinhado com a porta do cairn e com um menir no topo de cairn. Entramos no túmulo. Como os de sua espécie, no centro dele uma salinha de cerca de 3x3 m2, com paredes feitas de grandes blocos de pedra retangular. O peritos identificaram desenhos nas paredes, mas com a luz fraca em seu interior isso é bem difícil de ver.
Na saída, um grupo estava preparando a filmagem do sítio. Um rapaz perguntou em português com sotaque forte se éramos brasileiros. Diante da minha resposta, pediu delicadamente que eu ficasse mais para trás para eles filmarem.
Daí, o Paulo e a Mithiko saíram também do interior da tumba e ficamos vendo a filmagem. Quando o Paulo disse que não vira os desenhos, um outro senhor do cast falou, também em português conosco e mostrou um esboço dos desenhos.
Em seguida contou que foi de Benjamin Constant até Belém, desceu por Fortaleza, Recife, Salvador e Rio de Janeiro. E disse também que não tinha a menor ideia de que seu companheiro de filmagem também falasse português.
Acabamos a visita na vila de Carnac indo ver o Géant de Manio, um dólmen de quase 5 metros de altura. Ao lado dele, um quadrilátero formado por pedra mais ou menos da mesma altura, uns 40 cm. Embrenhamo-nos nas trilhas para ir ver o cromlech de Kerlescan, mas nos perdemos na mata e achamos melhor trilhar o caminho de volta pela mesma rota.
Fomos à comune de Plouharnel ver o dólmen de Crucuno, muito bem conservado, dentro da vila de Crucuno. Havia outros sítios por perto, mas exigiriam caminhadas longas e o dia já ia avançado.
Corremos para Vannes para ver o badalado dólmen de Gavrinis, todo trabalhado. Chegamos lá depois das 6 horas da noite e descobrimos que ele fica na ilha de Gavrinis. E que já não mais havia barcos para lá.
A região é prenhe de sítios megalíticos. Uma exploração completa leva semanas ou meses.
E não só megalitos compõem os mistérios da Bretanha. Nela ficaram também as lendas celtas e bretãs. Algumas delas:
Akoun, dizem os especialistas vêm da raiz indoeuropéia *nek (morte, que deu o grego necros e o latim necare). Os celtas ao longo dos milênios transformou a raiz em enk e juntaram o sufixo um (na grafia francesa, "oum").
O akoun é o ser que cobra às pessoas o fim da vida. É representado por um esqueleto, geralmente com uma foice (pik an maro) ou um martelo (donde o tradicional bater do martelo nos relógios, mostrando o andar das horas e da vida). Neste caso, o anoun se relaciona a Sucellos, o deus gaulês com martelo.
Neste momento da morte, o akoun realiza sua dança macabra em torno da pessoa a quem vai levar
Diz a tradição que no caso de agonia longa e penosa, se pode ir à igreja e ali procurar ema bola abençoada (mell benniget) e trazê-la para colocá-la sobre a cabeça do agonizante, acelerando o desenlace.
Quando a pessoa falece, ele a carrega em seu carro (karrig an Aku), de eixos rangentes. O carro é puxado por um pangaré ossudo e sem ferradura, ou por cavaleiros endiabrados. Em alguns lugares, por carroça puxada por 12 porcos, sem condutor.
Existem na Bretanha, os caminhos do Ankou, como entre Kerveillant e Plozévet, entre Pludual e Pléhedel (que passa pelo moinho Mar'heg). Em Ploumilliau há um garenn ar skwiriu (caminho dos fantasmas ou dos espíritos que se revelam aos vivos). Em Poullaouen, há um hent an anaon (caminho das almas).
A outra crença local é a do Anaon, a alma dos defuntos. Essas almas retornam principalmente no Natal e no dia de Todos os Santos (esta, que corresponde à festa celta de Samáin).
É crença que na noite de Todos os Santos, a gente deve caminhar no meio das estradas, pois as laterais são frequentadas pelos anaons. Nesta volta, as almas reassumem suas funções de outrora: carroceiros, ferreiros ...
Para homenagem ar os anaon, os vivos devem dispor sobre uma toalha a cidra, o leite fresco, crepes ... e acender um grande fogo nas lareiras de casa. Em seguida ir dormir para que as almas desfrutem da refeição.
As almas dos que perecem no mar e não são recuperados e enterrados em terras cristãs, erram al longo das costas, lamentando aos gritos suas longas penas com sinistros iú-iúúú ... São chamados Iannic an ôd ou Joãozinhos da Praia.
Os moradores de Ouessant realizam um enterro simbólico dos que morrem no mar, representando o finado por uma pequena cruz de cera.
Há também as almas dos padres que faltaram a seu sacerdócio, condenadas a celebrar missa todas as noites, até que encontrem um homem vivo que o ajude a celebrá-la.
Outra lenda é a das Lavadeiras da Noite. Só ou em grupos, têm um tamanho enorme, com olhos de carvão em brasa. Se encontradas junto a um lavatório de roupa, à beira de rio, ou no cruzamento de estradas, elas pedem ajuda para dobrar as roupas. Depois, enrolam o ajudante e o matam.
Segue para Nantes ...
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