No caminho de Galway para Clonmacnoise passamos pela catedral de Clonfert, cuja porta é do século XII, toda em pedra. Seu pórtico é romanesco, composto de seis arcos formados por pequenas cabeças enfileiradas esculpidas na pedra. Sobre ele um triângulo também esculpido com figuras geométricas e cinco monges lado a lado.
A igreja é minúscula e foi fundada por São Brendan, o Navegador. São Brendan cresceu na península de Dingle. Jovem, construiu um barco e junto a outros 14 companheiros saiu pregando nas vilas costeiras. Dizem que esteve em Iona, nas ilhas Faroe e na Islândia. Dali para a Groenlândia e Newfoundland (Canadá).
Ao lado da igreja fica uma torre redonda e em volta o cemitério, cujas lápides estavam sendo estudadas e transcritas por um grupo de pesquisadores. Seu interior é simples, muito simples.
Entramos no condado de Offally (Uabh Fáillí) para conhecer o mosteiro de Clonmacnoise (Cluain Mhic Nóis, ou Relva das Filhas de Nós), às margens do largo e tranquilo rio Shannon, o mesmo que deságua em Limerick.
Na entrada do mosteiro se exibe um vídeo sobre a cristianização dos celtas por São Ciarán, nos anos 540 d. C, no reinado de Diarmaid. Ciarán era filho de um carpinteiro e estudou em Clonard antes de se ordenar nas ilhas de Áran. Estabeleceu um mosteiro em Clonmacnoise, falecendo poucos meses depois.
Um museuzinho tem painéis contando isso. Uma plaquinhas em ordem cronológica falam de fatos ligados à área. Nesse museu estão as cruzes celtas originais que estavam defronte, expostas ao tempo, e pedaços de lápides, nas quais se lê os nomes dos mortos:
Or Do Finnachtu |
Or Do Muiretach |
Or Do Danéil |
Or Do Thuathal Saer |
onde Or(oit) Do significa "Reze por" e em seguida o nome do sepultado.
Numa delas se mistura irlandês com latim e saiu:
Or Do Fe[id]ilmid Qui Occisus [Est] Sine Ca[usa] |
ou "Reze por Feidilmid, assassinado sem motivo".
Numa delas traz uma cruz seguida do nome COLMAN e em ogham a palavra bocht (pobre).
O mosteiro, como dissemos, foi fundado no século VI por São Ciarán. Na "Vida de Columba", escrito cerca de 690, o monge Adamnán registra que São Columba visitou Clonmacnoise quando ali era abade Alither (c. 585-599). Aparentemente no século VII o mosteiro estava se distanciando dos ideais de seus fundadores e se tornando cada vez mais secularizado. Se transformou numa paróquia, com jurisdição sobre igrejas menores da redondeza.
No século VIII houve um movimento de restauração dos ideais de São Ciarán, o Céli Dé.
O primeiro ataque viquingue ao mosteiro foi no reinado de Feidlimid Mac Crimthainn, de Cashel, em 833, quando muitas pessoas foram mortas e as igrejas queimadas. Em 842 escandinavos de Linn Duchaill voltam a atacar e em 845 outro bando de noruegueses acampados em Lough Ree saqueia o mosteiro.
Cerca de outras trinta vezes o mosteiro foi atacado e queimado, a maioria das vezes pelos próprios irlandeses, até o século XII. O povoado vizinho, entretanto, continuava próspero.
Nessa época vários tesouros estavam sendo escritos no mosteiro. Sobreviveram alguns, sendo o principal o Lebor na hUidre (o Livro de Dun Cow). Nele estão várias histórias, entre as quais a mais antiga versão de Táin Bó Cuailgne ("O Roubo de Gado de Cooley"). O principal escriba desse período foi Mael Muira, neto de Conn na mBocht, o qual foi assassinado por saqueadores de uma das igrejas de Clonmacnoise em 1106.
O patrocínio real levou à escultura da Cruz das Escrituras, a soldo do rei Flann Sinna (filho de Maelsechnaill, diz a Cruz das Escrituras), por volta de 900 d.C. Em realidade, o pai do rei era Maelsechnaill Mae Maelruanaid, ard-rí de 846 a 862 e que provavelmente patrocinou a construção da Cruz do Sul.
Flann Sinna foi rei de Meath e ard-rí da Irlanda entre 879 e 916 e mandou construir a catedral em 909, como ação de graças por sua vitória sobre o rei de Munster em Belach Mugna no ano anteior. Nela estariam sepultados os Sumos Reis Turlough Mór Ó Connor e seu filho Ruairí.
Com a reforma do sistema diocesano da Irlanda, Clonmacnoise se tornou diocese de Meath Ocidental em 1111.
Com os seguidos saques, aí incluído o dos normandos em 1178 e em 1203 e com a ascenção do normando Simon Rochfort a bispo de Clonard (Co. Meath), a diocese foi murchando até se restringir ao território de Delbna Ethra, governado pela família Mac Coghlans.
Em 1214 os normandos derrotaram o régulo Ó Melaghlin, chefe dos MacCoghlans, e ergueram um castelo em Clonmacnoise, do qual hoje apenas existem as ruínas e o fosso, bem perto da entrada da área do mosteiro. O poder e as terras passaram para a família normanda dos Tuite, que foram expelidos na ressurgência celta do século XIII. Os Mac Coghlans voltaram a administrar a região até o século XVII. Mas a povoação começou a declinar daí em diante, pois o território ficou apartado dos grandes centros de comércio e riquezas.
O mosteiro foi finalmente destruído em 1552 pela guarnição inglesa sediada em Athlone. Depois disso só por um breve período (cerca de 1647) Clonmacnoise voltou a se reerguer até ser arruinada pelas tropas de Cromwell.
Em Clonmacnoise o Papa João Paulo II fez uma paradinha secreta, mas cerca de 30 mil pessoas vieram vê-lo. Ele ali celebrou a missa.
O mosteiro é cercado por muros. Junto a eles duas torres redondas. Também junto ao muro ficam as ruínas de uma capela do século XII (Templo Finghin ou Igreja de MacCarthy), onde há uma pia com água que, dizem, pode curar bebedeira e dor de cabeça.
No meio da área cercada estão a Catedral e várias ruínas de igrejas. A maior delas é a catedral. Há também o templo Connor, usada até por volta de 1780 pela Igreja da Irlanda. A Melaghlin (ou Templo Real), o Hurpan, a Dowling (assim chamada por ter sido restaurada em 1689 por Edmund Dowling de Clondalare para ser um mausoléu da família) e a igrejinha de S. Ciarán (onde, dizem, ele estaria enterrado). Essa igrejinha parece estar desmontando, porque o portal é rústico e as paredes não são regulares.
Na catedral há uma porta chamada Porta Sussurrante, porque o vento ao passar por ela soa como um sussurro. Fora desse grupo fica a Igreja das Freiras, inaugurada em 1167 por Derbhforgaill, filha de Murchadh O Maelseachnaill, rei de Meath.
Em frente às igrejas estão cópias de três cruzes: a das Escrituras (a mais linda delas), a do Norte (apenas a parte que sobrou) e a do Sul. São cruzes altas, com mais de três metros de altura, grossas (cerca de 40 cm de espessura), com passagens do Evangelho esculpidas e inscrições na base. Serviam como memorando aos fiéis, numa época em que não se tinha livros. Com elas os monges ensinavam o catecismo.
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