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CADERNOS DE VIAGEM

EUROPA - Irlanda

Kilkenny

Kilkenny era o centro do antiquíssimo bispado de Ossory, no reino de Leinster.

Pelas lendas, o príncipe Eremhon da Espanha, filho do rei Mile (ou Milesius), levou uma colônia para a Irlanda por volta de 1700 anos antes de Cristo e se estabeleceu em Kilkenny. Dizem que seu túmulo ainda pode ser visto perto de Lismain Bridge e da igreja de Rathbeath (próxima a Ballyragget).

A mais antiga dinastia governante da região teria começado com Aenghus Osraigh (leia óssa-rí, daí o nome Ossory), que começou a governar por volta de 80 d.C. Ele pertencia à era romântica dos Cavaleiros da Linhagem Vermelha (Knights of the Red Branch). Aenghus era casado com Kingit, filha de Curie MacDaire. Dizem que de Aenghus descendeu São Kieran, nascido cerca de 375 em Ossory Ocidental. O santo era filho de Lugny e de Lisdarria. Aos 30 anos de idade ele foi para Roma aprender o mistério do cristianismo. Lá ficou até os 50 anos e na volta se estabeleceu no vale do rio Nore, próximo ao castelo real, localizado onde hoje está o Kilkenny Castle. Fundou uma ermida onde hoje é a estalagem Kyteler's Inn.

Crê-se que ele esteja sepultado ao lado de seus ancestrais no distrito de Tullaherin, no condado de Kilkenny.

Pelos anos 516 nascia em Glengiren, condado de Derry, São Canice (Cannaigh). Ele era filho de um bardo celta e Maul (ou Mella). Foi colega de São Columba na escola de Glannevin em 543 e aos 20 anos de idade foi retirar-se nas costas da Bretanha, preparando-se para a vida monástica. Foi para Roma em 546 e voltou para Clonard, no reino de Meath, onde estudou com São Fianan.

Em 577 São Canice foi para Aghaboe (condado de Laois). Morou em Donegal, de onde saiu com São Columba e São Congall para converter o rei picto Brude, da Escócia.

Outro descendente de Aenghus foi o rei Fearghal, falecido em 797. A ele sucedeu seu filho Dunghal, falecido em 841.

Dunghal teve os filhos Maltuile (abade de Bangor, no País de Gales, onde morreu em 884), Lunn (casada com Malachy, rei de Meath e depois de toda a ilha) e Cearbhaill (leia kâr-vêlli, que foi anglicizado para O'Carroll), que sucedeu ao pai no reino de Ossory em 841.

O reinado de Cearbhaill está identificado com a invasão da Irlanda pelos dinamarqueses. Em 845 ele teria matado 20 mil viquingues na batalha de Ath Cliath (Dublin).

A Cearbhaill sucederam Diarmaid (em 885. Seu nome é pronunciado dermôt), deposto, e Ceallach (também filho de Cearbhaill e que morreu em batalha em 900 d.C.). Com a morte de Ceallach, Diarmaid voltou à governança em 908. Depois de Diarmaid, o trono passou em 927 a Donnchadh, filho de Ceallach, que fundou a dinastia O'Dunphy. Em 974 Gillaphadraigh, filho de Donnchadh subiu ao trono, criando a dinastia cujo nome foi depois anglo-normandizado como FitzPatrick.

No século XII, Strongbow se casou em Waterford com Aoife Ní Murrough e teve a filha Isabella, que foi dada em casamento em 1189 a William Marshall, de estirpe normanda, senhor do castelo de Chepstow, no País de Gales. Dessa forma, Marshall se tornou senhor de Leinster.

Em 1192 Marshall deu início à construção do castelo hoje existente no burgo. O castelo passou para a família Clare quando uma das filhas de Marshall se casou com o 6º conde de Clare. Em 1334 ele passou a ser de Hugh Le Despencer (ou de Spencer, na grafia moderna), pelo casamento de uma filha do conde de Clare com ele.

Em 1391 James Butler, 3º conde de Ormond, comprou o castelo de Despencer e o edifício ficou com a família até 1967. Os Butler eram uma família normanda originalmente chamada Fitzwalter.

Theobald Fitzwalter ganhou enormes extensões de terras no Munster, recebeu também a incumbência litúrgica de assistir à cerimônia de coroação de cada rei inglês e apresentar a ele a primeira taça de vinho, que o recém-coroado monarca iria beber. Daí surgiu o apelido Butlers (mordomos) que se sobrepôs ao de Fitzwalter.

Com Theobald Fitzwalter os Butlers estabeleceram-se em 1185 no reino de Munster (região sul da Irlanda). Theobald está sepultado na abadia de Abington, no condado de Limerick.

Tempos depois, perseguida pelos O'Brien e O'Kennedy, os Butlers se retiraram para Gowran, Carrick-on-Suir e Kilkenny.

O castelo de Kilkenny é super legal. Grande, bem conservado, cercado por um gramado enorme. Ao lado passa o rio Nore, que cruza a cidade.

Pode-se visitar seu interior, mas exclusivamente com guias, em intervalos regulares. Os salões são lindos, geralmente recobertos de papel de parede. Armas, troféus e quadros cobrem as paredes. Das janelas se vêem os jardins floridos, o rio Nore e a cidade a seus pés.

O conde atual Butler vive em Chicago (EUA), tem 93 anos (em 1998) e não tem descendentes. Quando ele morrer o título se extinguirá.

O castelo foi leiloado para pagar as dívidas dos donos. Hoje está todo redecorado, sem perder o aspecto que tinha em seu auge. Inclusive papéis de parede foram refeitos a partir de pedaços que foram encontrados. Um deles foi mandado fazer na China.

Nas redondezas do castelo os ingleses foram se estabelecendo, criando a Englishtown. Os irlandeses ficaram localizados para além do riacho chamado Breagagh, tributário do rio Nore, nas vizinhanças da catedral de S. Canice. Perto da Englishtown ficavam as paróquias de S. Patrício e de S. Brioc. Do outro lado do rio Nore (como de praxe, de águas escuras), fronteira à paróquia de S. Canice, ficava a freguesia de S. Maul.

Outra atração da cidade é a catedral de São Canice, ao lado de uma torre redonda alta (cerca de 30 metros de altura), com uma escada interna que permite subir a seu topo.

Em 1178 Felix O'Dullany foi nomeado bispo de Ossory, após a destruição de Kilkenny pelas tropas de Strongbow, depois de sua vitória sobre os O'Connor de Connacht e os O'Brien de Limerick. Nessa invasão foram também queimadas as igrejas de São Canice, de Santa Maul e de São Rioc. O bispo providenciou o reerguimento de uma catedral sobre os escombros da igreja. Em 1202 Hugh de Rous, ex-prior da abadia de Kells, sucedeu a O'Dullany e mandou erguer o oratório de Santa Maria (hoje igreja de Santa Maria).

Ao redor da catedral estão espalhadas inúmeras sepulturas, a maioria antigas. Dentro há sepulturas de pessoas mais nobres. Entre elas, várias exibem inscrições em normando, um dialeto do francês de origem viquingue. Uma das mais antiga até agora descoberta é a de José de Kyteler (possivelmente pai de Alice Kyteler, a feiticeira de Kilkenny, cuja história contamos adiante).

Na lápide de José de Kyteler se lê:

Ici gist Jose de Keteller (...)re e dist tu ki ci bas (...) trespassa ian de grace mil e cc e quatre vins

 

que se traduz por: "Aqui repousa Jose de Kyteler. Diga você, que aqui passa, [uma oração por ele] que morreu no ano da Graça de 1280".

Além dessas há as lápides de Honorina Grace (1596), do bispo Hackett (1478), Patrick Murphy (1648), James Purcell (1552) e sua esposa Johanna Shortals, James Shortal e sua esposa Catherina Whyte (1507), John Grace (cavaleiro e barão de Courtstown e pai da Honorina e Grace citadas atrás) e sua esposa Honorina Brenach (1552), William Hollechan (burguês da cidade, falecido em 1609) e sua esposa Marona Macher, Peter Bolger (1601) e sua esposa Joanna Walshe (1608), o bispo Nicholas Walshe (1585), Richard Butler (falecido em 1571, 3º visconde Mountgarret, bisneto de Piers Butler e Margaret Butler).

A tumba mais antiga não tem identificação. Crê-se que seja do bipo Hugh de Mapilton (1251-1260) ou de seu sucessor Geffry St. Leger (1260-1287).

Há também algumas tumbas em chumbo. As mais famosas são as de Piers Butler (falecido a 26 de agosto de 1539) e a seu lado, sua esposa Margaret Fitzgerald.

Ao lado deles está outra de um cavaleiro da família Butler. Crê-se que seja do 9º conde de Ormond (filho de Piers Butler), que morreu envenenado.

A catedral de S. Canice se tornou da Igreja da Irlanda e os católicos construíram no local chamado Butts uma igreja paroquial para ele (por volta de 1780). Nessa igreja foi batizado o avô de um meu bisavô.

Pertinho da igreja católica de S. Canice estão a Abadia Negra e a catedral católica de Santa Maria (do século XIX).

A Abadia Negra, assim chamada por ter sido dos dominicanos, que usavam uma túnica negra, foi fundada em 1225 pelo conde de Pembroke, William Marshall Jr.

À esquerda da entrada principal da abadia está uma carreira com onze sarcófagos de pedra, com contorno para o corpo, inclusive com um entalhe para ser colocada a cabeça do defunto. Conta-se que 18 dos primeiros conquistadores normandos da Irlanda estão enterrados na abadia. Apenas uma continha um esqueleto. As lápides remanescentes estão quase ilegíveis. Delas apenas foram identificadas as de Robert de Sardaloue:

 

Robert de Sardaloue ici git Dieu de sa alme ait merci

que se traduz por "Robert de Sardaloue descansa aqui. Deus tenha piedade de sua alma".

Pelo Livro Branco de Ossory, um cânone da Catedral de S. Canice, ele testemunhou uma doação de terras nos anos 1245.

A de David Mercator:

 

Davi Mercator git ici. Dieu de sa alme ait merci

cujo caixão data do período 1250-1270.

 

A de Walter Cluay:

 

Hic iacet Walterus Cluay

 

No jardim embaixo do Alto Altar há dois outros sarcófagos. Num dele há uma inscrição em franco-normando:

 

Isomein del Marmpole, refulm, femme du (...) gist ici - Dieu de sa alme eit merci

 

Alguns traduzem "refulm" por viúva.

Por 300 anos a abadia viveu seu cotidiano em paz, até a Restauração, quando foi transformada em fórum judiciário.

Em seu interior está o túmulo de Oliver Cantwell, bispo de Ossory, falecido em 1527.

Em 1603 o frei Edward Roughter quebrou portas, bancos e cadeiras dos juízes, alojando-se no edifício, até receber de volta as chaves da abadia. Por ter aprovado a devolução da abadia, o soberano local Walter Archer foi jogado na prisão pelo Lorde Mountjoy. Durante a Confederação de Kilkenny, cinco padres e o povo tomaram posse da abadia e ergueram nela um altar.

Quando as tropas de Cromwell tomaram a cidade em 1650, os soldados se divertiram esmagando as imagens sagradas e destruindo os vitrais das janelas. Só em 1816 a igreja voltaria a ser usada para fins religiosos.

No interior da abadia, recomenda-se ver o maravilhoso vitral do Rosário, um conjunto de 15 vitrais retangulares mostrando os mistérios do rosário. Sobre esse conjunto ficam vitrais losangulares com figuras de anjos. Isso cobre quase que uma parede da igreja. O interior da igreja é escuro e, desse modo, os vitrais filtram a luz solar do exterior, num efeito verdadeiramente lindo.

As outras antigas igrejas da cidade são as de Santa Maul, de São Canice, de São Patrick e de São Rioc, que já existiam quando da invasão normanda.

O rei Donnechadh de Ossory fundou uma capela a São Patrick perto de sua casa e duas outras, uma de cada lado do rio Nore: a Teampall na Maul (igreja de Santa Maul) e a Teampall na Rioc (igreja de São Rioc). Delas só restam os terrenos, cobertos de lápides antigas.

A rua principal da cidade é a Parliament Street, onde estão os pubs nos quais se pode ouvir música irlandesa ao vivo, prosear e beber cerveja irlandesa (lagger, leve, ou, stout, forte). A medida usual é o pint (cerca de meio litro).

A Parliament St. termina no edifício que serviu de Parlamento em Kilkenny, capital de uma Irlanda independente pré-Cromwell, entre 1293 e 1375. Dessa rua saem "slips" (ruelas estreitas, algumas saindo de pórticos medievais que há na Parliament St.).

Embora Dublin fosse a capital da Irlanda, Kilkenny desempenhou essa função todas as vezes em que o parlamento funcionava nesta cidade. Aqui foi votado e aprovado o Estatuto de Kilkenny em 1336, o qual proibia o contacto dos ingleses e normandos com os nativos irlandeses, bem como falar em irlandês, vestir-se ou cortar os cabelos como os nativos ou mesmo jogar hurling. O 8º conde de Desmond, Thomas Fitzgerald, se enamorou e casou com uma garota irlandesa. Após a lua-de-mel ele foi preso, julgado por alta traição e executado.

Em 1375 o próprio rei Richard II presidiu a assembléia em Kilkenny e em 1408, na última sessão ali realizada, era seu presidente o príncipe Thomas, filho de Henry IV.

Kilkenny voltaria a ser capital da Irlanda em 1642, na Confederação de Kilkenny. Para impor seu domínio sobre os irlandeses do norte, o governo inglês criou a Ulster Plantation, levando colonos escoceses para se estabelecerem na Irlanda do Norte. Essa é uma das origens do atual conflito naquela parte da ilha (os chamados Troubles).

Como reação à violência dos escoceses, o bispo de Ossory, Rothe, convocou uma assembléia nacional de representantes de cada condado e cidade importante.

Como já fôra sede do parlamento, Kilkenny foi escolhida para sediar o conclave.

A cidade tinha duas "townships" (bairros): a Englishtown, em volta do castelo, e a Irishtown, perto da catedral de S.Canice. Na primeira moravam os nobres e burgueses e na segunda os pastores, campesinos e baixo extrato social.

Em Kilkenny viveu Alice Kyteler, uma linda mocinha que veio para a cidade por volta de 1300 com seu pai. Não se sabe ao certo se ela era alemã ou holandesa. Após algum tempo ela se casou com William Outlaw, o mais rico banqueiro em Kilkenny. Alguns meses depois o homem morreu e ela se casou meses depois com Blound. Depois com Valle e por fim com John le Poer. Acusaram-na de ter envenenado seus maridos. Ela teve filhos com todos eles.

O bispo de Ossory Ledred criticava o comportamento dela e quando esteve em Kilkenny foi preso numa cela do castelo de Kilkenny a mando dela, em 1323.

Após alguns meses ele foi liberado e abriu um processo contra Alice, seu filho mais velho William e sua criada Petronilla, por bruxaria. Apesar do brilho da defesa, elas foram condenadas à fogueira.

Na véspera da execução, Alice fugiu. Petronilla foi queimada na estaca. William foi condenado a comprar o melhor chumbo existente na Irlanda e Inglaterra, para fazer o sino do mosteiro de Clynn, e foi obedecido. Contudo, no dia da inauguração da torre, o sino caiu e espatifou as paredes laterais da capela. Bruxaria? Azar? Vingança de William?

Segue para Cork ...

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