Chegamos a Braga de tarde. Obviamente nos perdemos por falta de mapa e de GPS. Descemos a av. da Liberdade até o Parque da Devesa. Estava tudo embandeirado para a Festa dos Santos Populares, a nossa festa Junina. Tateando, chegamos ao hotel, na saída para Vila Verde.
O hotel Meliá é bom e conseguimos um quarto com ótima vista. Mas fica distante do centro histórico e não são muitos os horários do ônibus para lá, mormente nos fins de semana.
Braga, a Braça Augusta, povoada pelos celtas brácaros, foi desde os tempos do imperador romano Caracalla a metrópole da província da Callaecia e seu território se estendia do Douro às costas bravias das rias galegas e da Cordilheira Cantábrica, incorporando Astorga, Lugo, Tui ...
No século V foi tomada pelos suevos. Hermerico a fez sua capital. Em 448, o rei suevo Requiário, filho de Réquilas, abandonou a arrianismo, abraçou a fé católica canônica e foi batizado pelo arcebispo Balcônio.
Em 585, o reino é tomado pelos visigodos, embora conserve certa autonomia.
A cidade foi arrasada algumas vezes pelas tropas mouriscas até que Áfono III das Astúrias iniciou o repovoamento da região.
No dia seguinte, caminhamos uns 3 quilômetros até o centro, nos perdendo nas ruas sem identificação. Aliás, uma repetição do alerta: geralmente ruas e igrejas não têm identificação. Se vire!
Entramos pela Porta Nova, do outro lado da cidadela. Diante dela a via principal, rua de D. Diogo de Souza, leva às principais atrações do burgo.
Nela há uma igreja, da Misericórdia, que parece parte da catedral, mas não o é. Pelo lado dela, contudo, está uma das entradas da Sé. A igreja é de tão imemoriais tempos que uma velha frase-feita, hoje já em desuso, dizia "velho como a Sé de Braga". De fato, diz a história local que ela teria sido levantada por São Pedro Rates, discípulo de São Tiago e ungido primeiro bispo de Braga em 44 da era Cristã.
Ao lado da igreja da Misericórdia há uma pracinha mostrando antigos elementos da igreja: capitéis, partes da decoração, túmulos de cônegos e lápides romanas.
Assim que se entra por essa parte, defronta-se com um claustro, de onde sai um acesso ao templo, um ingresso ao museu, à Sala das Relíquias e a Cripta dos Bispos.
Na Sala das Relíquias são mostrados relicários de São Pedro de Rates, São Martinho de Dume, São Frutuoso e outros.
Contígua a ela, outra saleta em cujo centro está o túmulo de São Pedro de Rates, tido como apóstolo de São Tiago e o primeiro bispo de Braga. Nas paredes, os nomes dos bispos e arcebispos que já serviram naquela sé.
Em seguida vêm salas com os sarcófagos de outros bispos e arcebispos. Os do século XX são os melhores identificados.
A nave da catedral exibe estilo gótico, com vestígios de elementos suevos-visigóticos. Sete nichos, com as imagens dos Apóstolos e santos de Braga, ornam a nave. Nas laterais, além de imagens de santos, brasões da nobiliarquia local. Junto à porta principal da igreja, o túmulo do infante D. Afonso, filho de D. João I.
O coro superior é em si uma igreja. Fica sobre a porta principal e é uma sala de quase 15 metros de comprimento por uns 6 metros de largura. Visto de baixo, a área anterior à sala é ornamentada de madeiras entalhadas, pinturas e vitrais coloridos. Os órgãos, gigantescos, têm 2.400 tubos um deles e 1.300 tubos o outro, ambos em metal. Ele é tocado todos os domingos, na missa das 11 e meia da manhã.
Este coro serve também de sala de reuniões do alto clero local. Tem de lado a lado 2 ou 3 fileiras de tronos de madeira escura entalhada com temas religiosos, cada um com o nome de seu ocupante em uma plaquinha oval de cerâmica. No centro, um porta-livros giratório.
A sala do tesouro alberga o de praxe: relicários, paramentos e objetos dos bispos. De especial interesse para os brasileiros é a Cruz do Brasil, que teria estado presente na Primeira Missa, celebrada pelo frei Henrique de Coimbra. Ela também foi transladada para o Brasil por ocasião da inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960.
Em visita guiada, estivemos também na Capela de São Geraldo. Nessa visita tivemos a companhia de um jovem casal do Rio de Janeiro. No altar principal está o túmulo deste santo, em caixão de ouro.
No chão diante do mesmo altar há uma sepultura com uma lápide bem grande do arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles. O guia contou-nos que esse bispo tinha 1,30 m de altura e por essa razão era bem complexado, daí o tamanho da lápide. Que no Tesouro acharíamos umas botas dele, com salto alto. Por isso, quis ser enterrado num esquife tão grande.
Em sala contígua, está o esquife, com tampa de vidro, do bispo D. Lourenço Vicente, que teria participado da batalha de Aljubarrota. Seu rosto ainda exibe os dentes.
Ainda nesta sala estão os jazigos de D. Henrique de Borgonha e D. Teresa de León, governantes da Galícia e norte de Portugal e pais do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques.
Depois da catedral, fomos à chamada Fonte do Ídolo, na rua do Raio, que tem esse nome porque o "brasileiro" Miguel José Raio (em verdade, comerciante de produtos do Brasil) ali comprou um edifício que pertencia a João Duarte Faria e dez dele a sua casa.
Ela era uma fonte de uma família romana de Bracara Augusta que foi abandonada e depois transformada em museu. Nele se vê uma figura togada esculpida na rocha. Ao lado, uma edícula talhada, com uma cabeça humana nela inscrita. Como não se pode aproximar do monumento, sua leitura fica um pouco dificultada, de modo que tivemos de recorrer às fotos na internet.
Junto à figura togada está grafado na pedra o seguinte texto:
[parte destruída]ICVS FRONTO
ARCOBRIGENSIS AMBIMOGIDVS
FECIT
traduzida como Célico Fronto, de Arcóbriga, (a) Ambimogido fez (este monumento).
A mim parece que há três nominativos e um dativo, de modo que ela diria: Célio Ambimógido, Arcobrigense, fez (este monumento) a Fronto.
Pelas epigrafia ao lado da edícola, o monumento era dedicado a uma divindade indígena de nome Tontonabiago (em verdade, um trecho danificado em duas linhas, que eu leio PONGOE // NABIAGO). É bem possível que falte uma parte inicial do texto. De qualquer forma, fica o registro da existência de um deus Nabias, atestado noma lápide votiva existente no Museu D. Diogo de Sousa).
Dentro da edícola lê-se:
CELICVS FECIT
FRONTO
traduzido como "(feito) pelo cidadão Celico Fronto". Novamente, eu tenho algumas dúvidas também quanto à interpretação dos textos, pois novamente Fronto parece ser um dativo e novamente daria "Célico fez (este monumento) a Fronto".
No museu, um vídeo muito interessante reconstrói o monumento e explica as figuras e textos.
Subimos pela rua dos Bombeiros Voluntários para voltar ao hotel. Passamos pela igreja de São Tiago da Cividade e pela Porta de São Tiago. Descemos às termas Romanas e ao Museu Dom Diogo de Sousa.Tudo fechado.
Enquanto eu pesquisava no Arquivo Distrital, Mithiko foi à capela de São Frutuoso, um monumento em estilo bizantino-visigótico mandado construir anexa a um convento na segunda metade do século VII pelo santo, então bispo de Braga, e por Dúmio, que seria ali sepultado em 660.
No século XVII, a capela foi incorporada ao Convento de São Francisco e na igreja estão as relíquias de São Frutuoso, levadas em 1102 para Compostela e devolvidas a Braga em 1966. O convento está abandonado e em ruínas. Dele só restam a igreja e a dita capela.
Ela passou também pelo Convento do Pópulo, com a mais abundante decoração em azulejos.
Quando saí do Arquivo Distrital, subimos a rua D. Diogo de Sousa até a praça da República. Deste largo sai a avenida da Liberdade. Em uma das esquinas na praça fica o Centro Informações Turísticas e no outro a Cafeteria A Brasileira, fundada em 1907 e onde tomamos bons e demorados cafés com bolos.
A avenida da Liberdade estava toda enfeitada para as Festas dos Santos Populares.
Na praça, perto de A Brasileira está a igreja da Lapa, sob cujos arcos hoje há um restaurante com deliciosos pratos. Nele uma ocasião encontramos um casal do Rio de Janeiro. Ele em verdade nascera em Marco de Canavezes, mas fora criança para o Rio.
O interior da igreja da Lapa é bem modesto, mas sua fachada estava ornada com fileirinhas de luzes coloridas acompanhando suas curvas, também para a Festa dos Santos Populares.
Em uma lateral da mesma praça está o Convento dos Congregados, de fachada chamativa e grandes dimensões. E mais adiante o Convento da Penha.
Cruzamos a extensão da praça até o ponto de ônibus diante da igreja de Santa Maria a Branca. Enquanto aguardávamos, visitamos a igreja. O ônibus passa ao largo da igreja de São Vítor, encaminha-se para o principal centro comercial da cidade e nos deixou na rua nova de Santa Cruz. Fomos jantar no tal "shopping center" e lá encontramos um restaurante dirigido por brasileiros e que servem comidas tupiniquins. Hum!!!!
Uma ocasião estávamos esperando o ônibus junto à igreja de N. Sra., a Branca (assim denominada porque no altar está uma imagem da Mãe de Cristo em trajes brancos), apareceu uma senhora com um animal de estimação deveras diferente: um porquinho. Uns garotos começaram a mexer com ela, mas logo estavam conversando animadamente.
20 de junho. Mithiko foi também ao Mosteiro de Tibães, a 8 km de Braga, nas faldas do monte de São Gens. Edifício do século XVIII, pertenceu à Ordem Beneditina. No local antes havia um mosteiro beneditino cluniense. Durante o reinado de D. João V (1689-1750), com a descoberta de minas de ouro no Brasil, obras de grande porte foram feitas na igreja, ampliando o altar-mor e renovando toda a decoração dele. Também se pode visitar o claustro e grande parte do enorme jardim, pontilhado de fontes monumentais.
Por interesse pessoal meu, estivemos nas igrejas de São Tiago da Cividade e de São João do Souto, onde ancestrais meus foram batizados, casaram-se e foram sepultados nos séculos XVI e XVII.
Afastada da cidade está a igreja de São Vicente, onde uma inscrição funerária na parede da sacristia traz a mais antiga referência à palavra "segunda feira" como dia de semana, um costume que foi introduzido em Portugal pelo arcebispo São Martinho Dume para substituir os nomes pagãos dos dias da semana (Lunes dies, Martis dies ...). Diz a placa:
†† IC REQUIESCIT REMISNVERA KAL. MAIAS ERA DC QVINQVAGIS. VI DIE SECVNDA FERIA IN PACE AMEN,
ou, aqui repousa Remisnuera. Calendas de maio. Era do Senhor Cristo de (6)56. Dia 6, segunda-feira. Em paz. Amém.
Visitamos diversos lugares interessantes na redondeza. Voltando a Braga, fomos ao alto do morro do Sameiro ver o santuário desse nome que lá existe. Mas o vento era tão frio que deixamos a visita para o dia seguinte.
22 de junho. Fomos conhecer a igreja do Bom Jesus do Monte, no alto de um morro coberto de bosques e de onde se vê a cidade de Braga. O templo é simples. Na praça à frente dela, algumas estátuas de reis lembram muito os Profetas de Congonhas do Campo. Da praça sai a famosa Escalinata, escadaria com 570 degraus, para vencer um desnível de 116 metros.
A Escalinata é composta de duplas de escadas que ligam as cinco plataformas de descanso criados para quem sobe. Cada plataforma também apresenta estátuas envelhecidas e uma fonte que despeja as águas da fonte do patamar superior. Elas recebem os nomes de Fontes das Virtudes e dos Sentidos porque as primeiras apresentam trechos bíblicos incitando às virtude teológicas (Fé, Esperança e Caridade), enquanto nas segundas as águas jorram da boca, dos ouvidos e dos olhos de figuras possivelmente mitológicas, figurando a fragilidade do conhecimento advindo dos sentidos. Há, também, em cada um desses patamares uma capela com estações da Via Crucis.
Pode-se ir de carro até Bom Jesus ou estacionar um pouco mais abaixo e completar a subida num funicular construído em 1882 (o mais antigo da Península Ibérica) ou pela Escalinata.
Do Bom Jesus, fomos de novo ao santuário do Sameiro, ainda mais alto que o do Bom Jesus e num espaço bem maior. Também dali se pode ver Braga.
O santuário foi construído pelos esforços do padre Martinho Antônio Pereira da Silva, com o fito de atestar o júbilo dos bracarenses pela proclamação do dogma da Imaculada Conceição pelo Papa Pio IX, em 1854. E por ter sido proclamado em 1870 o dogma da infalibilidade papal em matéria de moral e fé.
Pelo grande afluxo de peregrinos, foi necessário ampliar a igreja e o espaço de acolhimento a eles. Em 1982, o Papa Paulo VI elevou a igreja ao status de santuário mariano.
O Papa João Paulo II visitou o lugar e hoje um solidéu seu é guardado como relíquia deste papa beatificado, num mostruário à esquerda de quem olha o altar mor.
Ali encontrei um carioca que passeava com a família. E também estava apoiando as manifestações de rua no Brasil por achar que a corrupção estava matando a Nação.
Do santuário, fomos a Briteiros, uma vila a meio caminho para Braga. Ali se situa o maior e mais bem conservado vilarejo da II Idade do Ferro, no monte de São Romão, junto ao rio Ave e protegido por seis círculos de muralhas (algumas das quais hoje cortadas pela estrada).
O conjunto é composto de 104 fundações de casas circulares, tipicamente celta, com outras de plantas quadradas, que possivelmente eram as áreas de estábulos ou de serviços. Curiosamente, regos de água vão acompanhando as ruas. Estima-se que aqui viviam cerca de 1.200 pessoas de uma tribo indo-européia pré-celta que se estabeleceu na região.
A subida é cansativa e dificultada pela irregularidade do calçamento da rua: grandes pedras desniveladas.
No topo do esporão, a acrópole, onde moravam as figuras mais importantes. A visão é maravilhosa do vale abaixo. Ainda na acrópole, pode-se visitar a muralha mais interna, que dá para um bosque cerrado, num terreno grandemente íngreme (para dificultar um ataque).
O arqueólogo que descobriu o sítio reconstruiu na acrópole duas das cabanas redondas, mas o fez sem grandes informações, de sorte que elas ficaram muito altas e com um telhado que mal cobria a casa, enquanto cabanas estudadas em outros sítios mostram que as casas eram bem mais baixas e com um telhado que excedia a cobertura em metros, atuando como uma espécie de caramanchão
Em algumas rochas vêem-se figuras geométricas, geralmente círculos concêntricos, às vezes com centros ligados.
O sítio mostra sinais de romanização do povo ao longo do século I d.C.. Inscrições rupestres em latim assinalam nomes de proprietários de unidade doméstica (como um tal Camalus, o de uma abreviatura CAA numa louça indígena ...) Em inícios do século II, a citânea já havia sido abandonada em favor de terras mais planas e cultiváveis no fundo do vale. Há na acrópole sinais de uma capela medieval associada a uma necrópole de inumação.
Já morro abaixo, foi encontrada uma construção interpretada como termas.
Neste sítio encontramos uma família de campinenses. Conversamos com uma senhora da família, que aparentemente gostava de ler sobre celtas, pois fez várias observações sobre aldeias no País de Gales e outras regiões.
E nas termas conversamos com um galego de Ourense. E na saída uma bonita senhora de grandes olhos de lobo, verdes e com pupila minúscula, nos contou que o parque foi privado, mas o arqueólogo descobridor o doou ao Concelho e hoje faltava verba de manutenção. Foi também ela que falou sobre o erro na reconstrução das casas.
Às vésperas de deixar Braga, fomos de novo à praça da República, agora para assistir à Festa dos Santos Populares. Muita gente. A música e a coreografia no palco parecia à dos shows dos "sertanejos". Identificamos duas moças que se requebravam com muito jeito como brasileiras, uma das quais com acentuados traços indígenas.
Fomos para mais longe da confusão e mais próximo da A Brasileira. Ali ficamos conversando com duas donas de barraquinhas, uma carioca e outra paulista de origem japonesa. A carioca vendia lembranças e licores que ela mesmo preparava. Tomei uma ginjinha e ela me fez provar as outras bebidas. A Mithiko ficou conversando com a paulista, que vendia louças com nomes personalizados e a quem ela encomendara uma peça com a inscrição Felipe, para o filho do André.
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